Natural construção

Beijastes a face madrasta da vida

E ainda continuavas a procura de afeto

Nos lugares mais estranhos,

Pendurado pelos ônibus, na calçada da rua,

Nos galhos salientes das árvores,

No rodapé da sala que espiava meus

passos em prantos.

E, não sei por que chorava.

Na hora de partir, de ir definitivamente ...

Ir embora.

Para nunca mais voltar

Percebi o quanto de mim tinha ficado para trás.

Soterrado pela tristeza de não ser mais presente.

Mas apenas lembrança.

Eu não me reconhecia mais no espelho

Nem a voz e nem o gesto

O brilho do olhar denunciava

alguma familiaridade

Mas era tão tênue...

Meus pulsos abertos não tinham firmeza.

Minha alma esquartejada

pingava desbragadamente lirismo

no chão da sala.

E, da janela seus reflexos

Matizavam delicadamente as estrelas

de azul turquesa.

À luz de vela sobre a mesa.

Sobre aquele verso.

Dava-lhe uma geometria sincera.

E uma dimensão infinita.

O cálice de vinho.

A ceia posta sobre a mesa.

Servia a nossa história nos pratos

de porcelana portuguesa.

Podia-se até ouvir o sotaque...

Os tamancos... e os brindes em algaravia.

Beijaste a face madrasta da vida.

Não tiveste mãe.

Só a natureza lhe pariu.

Em essência e espírito.

Por isso és natural.

Natural e construída.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 26/03/2013
Reeditado em 26/03/2013
Código do texto: T4209459
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