Natural construção
Beijastes a face madrasta da vida
E ainda continuavas a procura de afeto
Nos lugares mais estranhos,
Pendurado pelos ônibus, na calçada da rua,
Nos galhos salientes das árvores,
No rodapé da sala que espiava meus
passos em prantos.
E, não sei por que chorava.
Na hora de partir, de ir definitivamente ...
Ir embora.
Para nunca mais voltar
Percebi o quanto de mim tinha ficado para trás.
Soterrado pela tristeza de não ser mais presente.
Mas apenas lembrança.
Eu não me reconhecia mais no espelho
Nem a voz e nem o gesto
O brilho do olhar denunciava
alguma familiaridade
Mas era tão tênue...
Meus pulsos abertos não tinham firmeza.
Minha alma esquartejada
pingava desbragadamente lirismo
no chão da sala.
E, da janela seus reflexos
Matizavam delicadamente as estrelas
de azul turquesa.
À luz de vela sobre a mesa.
Sobre aquele verso.
Dava-lhe uma geometria sincera.
E uma dimensão infinita.
O cálice de vinho.
A ceia posta sobre a mesa.
Servia a nossa história nos pratos
de porcelana portuguesa.
Podia-se até ouvir o sotaque...
Os tamancos... e os brindes em algaravia.
Beijaste a face madrasta da vida.
Não tiveste mãe.
Só a natureza lhe pariu.
Em essência e espírito.
Por isso és natural.
Natural e construída.