Seres poéticos
Catando a poesia com pá de lixo
Arrumamos rimas improváveis.
Imagens sonhadas e riscadas à giz.
Pontarias que erram sempre por um triz.
E acertam fatalmente num lirismo vagabundo.
Catando a poeira cósmica na calçada.
Perdida entre os passos errantes...
Entre milhões de caminhos dentre as galáxias.
No labirinto repleto de deuses e diabos...
Entre anjos e anciãos...
Catando a poesia e peneirando-a
Em busca de suas gotículas mágicas
Como as do orvalho,
as das lágrimas vertidas em segredo,
as do suor de esforço desmedido,
as de sangue que tingiram os heróis.
Cultivando a dor nova
em peito velho...
Dobrando os joelhos em orações
e mantras...
Entoando os fonemas de apazigação...
A poesia é bálsamo.
É lenitivo para a indiferença...
Para olhos e ouvidos cansados...
Para corpos que envelhecem
descaradamente perante o
espelho...
E deixam rugas
em nossa autoestima.
A poesia catada
no canto das escadas...
Nas prateleiras mais altas
Nas ruas íngremes e sem saída...
A poesia nos atropela tanto
E de tal forma intensa
e definitiva
Que estamos marcados por ela,
Nela e para muito além de nossos sentidos.
Somos seres poéticos que se
humanizaram aos poucos.
Conhecemos primeiro a eternidade
E depois, bem depois,
a morte.