CORAÇÃO BANDIDO
(Sócrates Di Lima)
Meu coração foi pego vadiando,
O miliciano o abordou na rua da solidão,
Pediu identidade e foi logo falando,
- "teje" preso, tu tá de vadiação.
Meu pobre coração questionou com voracidade,
E o miliciano retrocou,
_ calado ai mané, é desacato a autoridade,
- Tu ta abusando da tua autoridade, retrucou.
Mas, não teve jeito,
O miliciano meu coração algemou,
Beteu no peito,
E ao Delegado o levou.
- Lavra ai o Boletim de Ocorrência,
Gritou o Delegado,
E o escrivão sem paciência,
Foi logo no digitalizado.
- Seu delegado, o que foi que eu fiz,
Falou o coração entristecido,
- Tu tava vadiando como o PM diz,
Então vai ficar no xilindró e comer pão amanhecido.
O coração não teve paciência,
Foi xingando logo o delegado,
Que o manteve na cela e fechado,
Sem fixar fiança na desinteligência.
Instaurou o Inquérito Policial,
E mandou lá para o Forum,
O promotor de justiça logo ofereceu denuncia formal,
E na frente do juiz foi um ziriguidum.
Não tinha testemunha,
Nem advogado,
Fez a defesa na unha,
Um ad hoc foi nomeado.
Sem chances do contraditório, e da ampla defesa,
Ouviu-se as testemunhas da acusação,
E por último no libelo com singeleza,
Ouviu-se o acusado.
_ Senhor Juiz, disse o coração,
Não devo nada para a justiça, é fato,
Estava apenas na solidão,
Curtindo minha tristeza no meu barato.
Não teve jeito, nem acatou os memoriais,
Já sentenciou de pronto e sem hesitação,
E sem atenuantes naturais,
Condenou o coração a quatro anos de reclusão.
Como tinha bons antecedentes, e isto era certo,
Endereço conhecido e réu primário,
Mandou o coração para o regime semi-aberto,
Para cumprir o seu regime carcerário.
Mas no manuseio da pena legal,
Não tinha vaga no semi-aberto,
Impetrou-se um habeas corpus no Tribunal,
Que concedeu a ordem e libertou o coração por certo.