Aparição
Medo é um guri num buraco escuro quando puxa.
Guarda o assombro, caveiras e uma risada de bruxa.
Diz que vive vagando no vulto roxo de mortalha,
a cabeça decepada na mágoa duma navalha.
Medo dói como finca um tremido na cacunda,
frio escorrendo da nuca e descendo na bunda.
Na casa do medo, de noite, coruja canta e pia
lá fora serpente, e se expurga o defunto na bacia.
A luz errante vagueia o quintal e se enterra
na cova de fantasma, na velha cruz da serra.
Enforcado. Envenenado. Enlouquecido.
A mulher cabeluda que esganou o marido.
Arrasta corrente, o medo barulhento;
caixão rente a porteira e um morto dentro.
Catinga de bode no vento da janela
e o cemitério no pasto, vasto de vela.
Medo esbugalha o olho e aperta a correia,
cobre a cabeça e desregra o pulso da veia.
Muda a natureza das coisas que nunca são:
jura a mentira, que sempre era assombração.