Trágico virtual
Existirá um dia que as lágrimas serão inúteis.
Que as palavras serão sons indecifráveis
E de tão enigmáticos,
não poderão descrever a realidade.
Existirá um dia que todos os gestos humanos,
serão como molduras gastas pelo tempo,
Em quadros borrados de um passado
que deveria ser inesquecível.
Porém, resta apagado e carcomido.
Tudo será absolutamente automático.
Amor automático e solúvel.
Ódio automático e instantâneo.
Indiferença rápida, certeira e eficaz.
E, a soberba racionalidade humana
se condensará numa equação sublime.
Onde o tempo e o espaço serão
variáveis desprezíveis...
Tudo será programável...
A união, a desunião...
A junção dos siameses.
O medo, a coragem.
As guerras e as batalhas xifópagas.
O dom e o instinto...
Traçado em teia de números,
Com latitudes e longitudes
Num mapa mental ou
Puramente imaginário
Tudo estará sitiado.
Empacotado.
Embalado, virtual e racionalizado.
Lógico, reto e verossímil...
Mas, as essências contidas
nas moléculas...
Os segredos guardados
no baú de almas
O sussurro do vento
contido na brisa da manhã
A gota de orvalho cristalizada
na flor do jardim
A poesia obscena dos casais de namorados
O lirismo roto dos cadernos guardados
Ou de ideias escritas em guardanapos...
Essas essências ou excrescências .
Revelarão a aberração da naturalidade
do mundo animal dominado...
O tumor, fruto da vertigem
e do espasmo que cresce soturnamente
dependurado por anéis,
brincos, cordões
ou sarjetas.
Lentamente a vida se esvai.
De repente, chega a morte súbita
E derradeira, põe fim a toda automação.
Ao automático, ao binário.
Ao hidramático
E, traz a lume o trágico da vida comum.
Comum, vulgar e apenas fatal.
Complexo, ímpar e intrigante.
Numa conexão wireless
O bluetooth confessará publicamente
a tristeza de ser tão azul
e trágico.