O CASO DA TROCA
Voltava eu do trabalho
Nem tão tarde ... nem tão cedo
E, estando a rua deserta,
Por instinto tive medo
Um terror não sem assunto
Destes que chamam fobia,
Mas por notar que ao longe
Algum vulto me seguia
A cada passo que eu dava
Com outro ele respondia,
E a cada esquina dobrada
Num segundo ele aparecia
Já tendo vencido a distância
De três quadras percorridas
Entrei, cansado da andança,
Em um beco sem saída
Volvi-me a ver o vulto
Que sinistramente sorria
E mostrava-se obscuro
sobre tudo que pretendia
Eu, sem graça, lhe mostrava
Bolsos vazios e as mãos,
Contudo ele apontou
Um caco de telha no chão
Peguei o caco e fiz
Gestos de não entender
Ele disse: este é o giz
O muro, onde escrever.
Assim deu-se a primeira vez
Do ataque de um poema
Ao poeta que o fez
Escrever esta pequena:
“Quando o poema é do autor,
Não representa um problema,
Difícil é quando o escritor
É que passa a ser do poema.”