Silenciofagia

Quando as palavras não vieram

mover-me os dedos,

o silêncio, em segredo,

era um cão ferrenho a morder

os calcanhares de uma voz

perdida

pelos corredores áridos

da memória.

As horas não eram vividas

em lugar algum

apenas giravam os ponteiros

de um relógio

sóbrio em seu rodopio estanque

na parede

de um vazio azul.

Não se sabia se havia ali ou

não

a premissa de um novelo

quando as palavras não vieram

mover-me os dedos.

Algo se faltava

e um nada dentro de um nada

sugava

as minhas mãos

ao vácuo dos cabelos

e o rosto

como um cão-sem-dono

farejava

em meio ao abandono

algum sinal

pertinente

no ar.

by Gabriel Nogueira Ferreira in O corpo remoto (2009)