EU - SER RUMINAR


O tempo, retalho-mor da farsa mitológica, mostrou-me detalhes ocultos

no horizonte invisível: entre o sorriso vespertino e o choro noturno,

flutuam desordenadamente, nos obscuros espaços internos do ser,

sem que ninguém perceba, cores chagadas e cheiros pútridos da aberração.

Sob máscaras estranhas, negamo-nos a ver em nós próprios a falha na atuação,

apregoando-a a todos os demais figurantes vivos ou mortos, de todas as épocas,

e de todos os espaços projetados pelo pseudocentro universal , em imagens

originadas da obscena escravidão ao ego, já condenado ao vazio inabalável da morte.

Não devíeis vós lamentar pela vossa própria dor, nem pela vossa própria decadência,

mas pela condenação a ambas de vossos filhos nascentes ou por nascer,

sacrificados também à não-desmistificação própria, pelo olhar avesgalhado

e pelo uso insóbrio de poderosos e solidificados escudos para tuas próprias cinzas inférteis.

Digo-vos o que vos negais a ver, no entanto: aquele que mais se apregoar puro e bom

é, na verdade mistificada, o que mais se nega em quedas e o que mais atua

sob a luz que emana de suas próprias sombras, a dar contornos incorretos

aos silenciosos e pálidos atos ou pensamentos que se escondem atrás de uma porta qualquer.

Somos como ventos desordenados, ora fracos, ora impiedosamente fortes e avassaladores,

em choques egocêntricos com todo o demais resto de tudo que houve, há e vier a haver.

Eu, de mim, também guardo ainda trancado meu cheiro livre e meus murmúrios secretos,

entregues tão somente a um ser que se não suportou a exposição de minhas entranhas,

sem que ela percebesse que foi preciso matar e morrer, ousar e perder diante dos mesmos olhares,

sedentos de ira e demais sentimentos mundanos em mim impostos com vigor.

Se há constelações incompreensíveis ainda não descobertas ou se há vermes famintos

passeando e se alimentando pelos lugares mais obscuros de minha mente decadente,

por que devo eu, continua e descorajosamente, apenas me apregoar nobreza e inocência

que já em mim, como em todos, foram mortas no berço da entrega à grande viagem?

Digo-vos e que se registre invisivelmente suspenso no ar de janeiro principado,

enquanto as belas árvores e flores secretamente murchem no pomar onde dançam

com dores, e com fulgores, e com o abismal que nos omitimos e trancamos em nós mesmos.

E contemplem, no ritmo dos mesmos ventos meus e vossos, nossas verdadeiras faces,

e que ouçam de nós todos os sons incomunicáveis e devastadoramente sombrios,

originados do mundo hipócrita que escondemos atrás de nossos rostos pálidos.

Sim. Que se suspenda no ar já da véspera do contato vulnerável que de mim digo:

Sou um deus a criar mundos inexistentes e a oferecê-los para adoração própria,

e sou um demônio a omitir minhas perfídias aprisionadas muito além dos verbos

construtores de imagens magníficas, vomitadas pela boca em esforços indigentes.


Péricles Alves de Oliveira
Péricles Alves de Oliveira (Thor Menkent)
Enviado por Péricles Alves de Oliveira (Thor Menkent) em 03/12/2012
Reeditado em 17/08/2013
Código do texto: T4017496
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