Vírgulas
As palavras não são ditas por você
É você que se diz pelas palavras
Não são os dias que passam por você
É você que vive os dias, um a um...
Definhando até que chegue a morte
E enquanto isso, tudo que há é poesia.
A poesia que se diluí na primavera contida
A poesia ilusória da vida e da morte.
Na flor da lapela do cadáver
Nos olhos tristes da criança desnutrida
Na roupa suja jogada no corpo
Arquitetando decência numa miséria explícita
Há poesia nas palavras não ditas
E sobrevive ainda a poesia,
nas palavras malditas
Na febre, no frêmito...
Na catarse epilética dos gritos,
sussurros e ladainhas
Há poesia exatamente
no vão entre o sofá e a almofada
Apertada no peito, marcada no calendário.
E regada pelas lágrimas no chão d’alma
É a lama que nos revela a solidez
Assim como é a água que nos revela a terra.
É a palavra que é ponte, e é trégua
E nos redime nessa batalha invisível.
Nas orações e preces.
Nos mantras e nas cantigas de roda.
Na música litúrgica dos rituais imponentes.
E na cantiga de ninar.
A poesia é soberana e preexiste
a tudo afinal...
E, então somos as palavras,
Moldamos-lhes sua fonética,
Desenhamos-lhes uma grafia,
a expusemos em caligrafia.
Nua pelo manejo da mão.
Pura pelo aceno do significado
tatuado na semântica complicada
dos solitários.
Repleto de silêncio poético
das vírgulas.