Vírgulas

As palavras não são ditas por você

É você que se diz pelas palavras

Não são os dias que passam por você

É você que vive os dias, um a um...

Definhando até que chegue a morte

E enquanto isso, tudo que há é poesia.

A poesia que se diluí na primavera contida

A poesia ilusória da vida e da morte.

Na flor da lapela do cadáver

Nos olhos tristes da criança desnutrida

Na roupa suja jogada no corpo

Arquitetando decência numa miséria explícita

Há poesia nas palavras não ditas

E sobrevive ainda a poesia,

nas palavras malditas

Na febre, no frêmito...

Na catarse epilética dos gritos,

sussurros e ladainhas

Há poesia exatamente

no vão entre o sofá e a almofada

Apertada no peito, marcada no calendário.

E regada pelas lágrimas no chão d’alma

É a lama que nos revela a solidez

Assim como é a água que nos revela a terra.

É a palavra que é ponte, e é trégua

E nos redime nessa batalha invisível.

Nas orações e preces.

Nos mantras e nas cantigas de roda.

Na música litúrgica dos rituais imponentes.

E na cantiga de ninar.

A poesia é soberana e preexiste

a tudo afinal...

E, então somos as palavras,

Moldamos-lhes sua fonética,

Desenhamos-lhes uma grafia,

a expusemos em caligrafia.

Nua pelo manejo da mão.

Pura pelo aceno do significado

tatuado na semântica complicada

dos solitários.

Repleto de silêncio poético

das vírgulas.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 03/09/2012
Código do texto: T3864013
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