O fígado e o amor
O fígado teve inveja do coração,
Exclamando:
"Por que quando se fala de amor,
Só o coração é mencionado,
Lembrado, louvado, homenageado,
Enquanto eu fico assim, ignorado,
Logo eu, que trabalho tanto,
Em mil e uma tarefas,
Que ninguém nem sabe quais são?
O fígado não sente cócegas e ri?
Se ele for espetado, não sangrará?
Não tem sentidos, inclinações, paixões?
Ele nao lê o Shakespeare?
Não, eu não posso me conformar
Com tanta injustiça
Contra um pobre fígado,
Que, aliás, é maior que o coração".
O coração parou para escutar a queixa do fígado,
Mas imediatamente voltou a bater,
Pensando com os seus botões
Que talvez o fígado tinha razão,
Pois é verdade que quando o amor surge,
O coração bate mais rapido
Ou mais forte
Ou para de bater,
E que quando o amor desaparece,
O coração até pode desaparecer também,
Mas o fígado é maior que ele,
Também trabalha bastante,
E não é bem reconhecido.
Assim, o coração resolveu dar um palpite,
E, tomando a iniciativa,
Ele disse ao fígado
Que da parte dele não tinha problema,
E que dali em diante,
E até no mesmo instante,
Tudo que tem que ver com o amor
Sai do coração e fica com o fígado.
O fígado, orgulhoso,
Foi celebrar sua vitória,
Metabolizando muito álcool,
E foi dormir exausto,
Enquanto o coração trabalhava
Como sempre, sem parar.
No dia seguinte,
O fígado acordou com uma baita ressaca,
Mas feliz que dali em diante seria ele
A inspiração dos poetas,
A luz dos namorados,
O fertilizante dos amantes.
Mas então aconteceu o inesperado,
O milagre surpreendente:
O amor bateu na alma,
A alma chamou o coração,
Mas o coração não podia responder,
O fígado nem notou a invocação da alma,
E o amor passou por lá,
E continuou no seu caminho,
Sem parar, sem comover, sem fazer a lágrima cair,
Sem causar confusão nos pensamentos
Sem ser sentido
Sem que nada tivesse acontecido,
Porque o coração estava fechado,
Despachado, desempregado,
E o amor ficou acabado.