Testamento

E as cores todas da alma minha

Cedi-as às flores do campo.

O perfume meu… cedi-o às raizes todas…

Ao cheiro da terra molhada.

A minha arrelia… ao rigoroso inverno.

Não a quero mais.

Ao sol… cedi o meu sorriso de outrora…

De vez em quando ainda o peço emprestado

Ele empresta-me de bom agrado

Mas nunca demora a vir buscá-lo de volta.

Os amores e saudades…

Ah… esses eu cedi à chuva fininha

Que molha tudo com alegria e gentileza…

Misturadinhos com o sol do sorriso meu de outrora

E faz-se um arco-íris e fica mesmo lindo!

As paixões efêmeras cedi-as todas…

Vestem bem os furacões e tempestades.

Essas eu não gostaria de tê-las novamente… nunca mais.

O brilho dos olhos meus passei-o às estrelas…

Elas sabem bem sobre ele e vão fazê-lo, enfim, brilhar para sempre.

Os versos meus… cedi-os à lua…

Ela acompanhou o nascimento da maioria deles.

É a madrinha, então.

Ao vento entrego os meus cabelos…

Nunca houve melhor carícia para eles do que as que vêm das mãos do vento.

Os meus passos tortos pela vida… deixo-os à terra…

Para que sirvam de trilha proibida aos viajantes que não querem errar.

A minha maternidade… essa levo eu comigo.

Haja que já aprendi-a eu com os bichos e me foi presente muito valioso.

E a simplicidade com a qual quero terminar os dias meus…

Ah… ando à colhê-la por ai…

Saio sempre com uma sacolinha…

E colho eu em todos os cantinhos da natureza.

Ela é generosa e faz questão de ceder-me as sementes.

E ando a plantá-las… incansavelmente…

Nos canteiros dos dias meus que me restam…

E espero eu ter tempo para contemplar

A última primavera de mim.

Karla Mello

29 de Agosto de 2012

Karla Mello
Enviado por Karla Mello em 29/08/2012
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