O BURACO NEGRO NÃO É DE BRINCADEIRA(de "Vozes do Aquém")
Porque
preferimos sempre
enxergar
o buraco negro
como uma ficção
perdida
lá
no meio do distante
fim do universo?
Da mesma forma
procedemos
com tudo aquilo
que não entendemos
ou que nos incomoda:
a morte,
a Eternidade,
os anjos,
os demônios,
os quasares
e os cometas errantes.
Porém,
não é nem um pouco
provável
que nenhum deles
venha cair
logo
sobre a nossa cabeça.
Vamos imaginar
que estamos num grande navio
cruzando o vasto
e tranquilo oceano,
até que começamos a deslizar
por uma parede sem fim
da qual nem o som sai,
ou seja
os nossos gritos
irão conosco
para o fundo sem fim.
Não é uma questão
de acreditar,
mas sim
de feixes concentrados
de probabilidades.
O que eu não sei
é se as idéias
escapam do Vórtex.
Se escapam,
é o cheiro delas que sinto
nesse começo de noite,
atraindo gatos esfaimados
como eu,
seres das vielas,
exilados para sempre
da meia-luz,
ou, pelo menos,
até encontrar
um acalanto real,
consistente
para os músculos
e para a alma.
Então,
virá a coragem
para o salto,
quando a alma
romperá as dobras
da pele
e aflorará
um pouco acima da colina,
presa apenas
por uma linha,
devidamente amarrada
antes mesmo dos primórdios
na sola do sapato do Criador,
que acorda,
ao ver puxada
finalmente
sua cadeira de balanço.
O ventre
celestial
irá parir –
estrelas,
fogo,
cuspe,
salamandras
e batatas,
prontinhas
para o jantar,
mas
coalhadas
de carrapatos invisíveis,
sugadores de espíritos,
enviados improváveis
dos construtores de universos,
na busca desesperada
de matéria prima.