Xote ateu

Sou ateu convicto

Não acredito em nada

Nem em mim mesma

Duvido da claridade do sol

Do poder dos anéis de saturno

Da maravilha da tecnologia

Sou ateu profundamente

E, na insólita solidão de não crer

Duvido da própria presença ante ao espelho

Duvido de seu existir no meu caminho.

Aliás, não existe caminho.

Existem passos aleatórios e bêbados

Que rumam em direção ao nada

ou será ao abismo...

O motivo de eu ser tão fielmente ateu

É minha mãe, uma católica fervorosa.

Depois passou a ser espiritualista

Acreditava na vida após a morte

Em Allan Kardec, e ao final ,

ou melhor, sem final...

Quando tomada de Alzheimer

Acreditava estar vivendo em 1971

E, nunca mais saiu mentalmente desse ano.

Seus santos no altar de casa

Olhavam-na estarrecidos a triste figura

a se definhar cada dia mais.

Até que chegou enfim

a misericórdia da morte.

Também não acredito na morte.

Apenas a matéria se transmuda de forma

E passa a ocupar outras energias...

Então, minha mãe pode estar agora

secretamente no vento, na chuva, no rio

Ou quem sabe,

até em algum animal doméstico.

Acredito numa única coisa:

O ateísmo...

E, nesse momento me deparo com o paradoxo...

Em duvidar de tudo...

a dúvida é minha única certeza...

É minha crença,

de questionar o inquestionável...

Em fazer perguntas quando

as respostas são múltiplas ou

Simplesmente não há...

Na verdade da humildade presumida

em ajoelhar-se no altar

Existe uma enorme desconfiança.

No tribunal da consciência

Onde a condenação é pretérita

Prescrita pela lembrança e

Banida pelo inconsciente

Inconstante e indomável...

Eu me absolvo o pecado de não ter fé.

Absolvo por ter sido infeliz.

E condeno minha esperança

a uma morte eterna e suprema

Apesar de sorrir aos passarinhos nessa manhã

Enquanto danço

o xote do ateu.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 09/08/2012
Código do texto: T3821625
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