DOLHOS DO COMO
Seria como nos ver assim
A dois olhos de um horizonte escuro
Tal como
Pedras batidas a pó de moinho
Tão distantes de olhares ardentes
Como a fé vazia dos descrentes
Quão duas presas empuxadas
Nos libares das serpentes
Seria como ver crescer os rios
Sob as pétalas dos mangues
E nossas veias nuas em desafio
Vertendo cruas lágrimas de sangue
Nos percebendo atracados enfim
Como na inspiração de um bêbado
Descrita em uma só expressão
Sobre a folha de um papel encanecido
Tal qual idealizarmos nossas figuras
Nas memórias de um desacreditado
Ou seja, descrevendo nossa história
Para um livro mudo descredenciado
Quão aplacadas fulguras em seus veios
Como os sonhos dos desalmados
Seria como cativarmos novos anseios
Por rebeldes seres já condenados
Como transmitir nossos encantos
Em desencantos somente
Como duas cortinas de paredes incertas
Serenadas sobre as duras sementes
Seria como deter-nos de um poder
E através não poder ver além
Com aquele sono que vem
Sem ter o poder que não têm
Como um obsceno aceno
Repudiado do outro lado do tempo
Num extremo externo
Aquém do convés, na solidão do eterno
Seriamos como afiadas lâminas
A desafiarem os contratempos
Como uma lei mal vigorada
Somente para os mudos e calados
Como as negras asas que se vão
Voejando sem direção
Como animais cativeiro
Capturados pela própria criação
Seria como desafiar as cores d'um arco-íris
Entre as nuvens de algodão
Como as tontas cordas d'uma viola
Envolvidas em uma solitária canção
O final seria o sinal de um recomeço
Do reconhecimento a se atestar
E o princípio a conclusão do firmamento
Sem a verdade de nós, assim tão distantes
Seria como observar à nossa volta
E ver-nos encarcerados ali
Como seres à sós se arrebatarem
Seria como se arremessássemos olhares
Aos desnudos olhos do como!
Autor: Valter Pio dos Santos
N.Y/Mar/1985