POESIAS SURREALISTAS (De 8 a 14)

A PORTA DO CÉU E DO INFERNO

Degustando a minha sombra de delírios ambivalentes,

Sinto o amargo do fel que desce na minha língua suja,

Onde esta já percorreu os labirintos desses inocentes.

De todas as horas impúdicas cravadas como pregos,

Usados pelo meu espectro nas suas almas carentes,

Derramo meu veneno errante nos seus corpos cegos.

Eu tento, mas não consigo me livrar dessa peçonha,

Onde a vida me enterrou sua grande espada do mal,

Abrigando-se em mim o profundo poço da vergonha.

Existe um ser mendigando a carne dentro de mim,

Castigo do destino que me leva do céu ao inferno,

E nos quais eu sou recebido pelo mesmo serafim.

Fui uma criatura boa que infelizmente ficou assim,

E mesmo que não me faça entender pelo trauma,

Não perdoarei jamais esta pessoa até o seu fim.

Fez-me de menino, virar-me em uma serpente alada

Com a cara de anjo, mas muito mais que desprezível.

Cruz que marca minha vida nesta porta amaldiçoada.

ALMAS DO NEGRO PECADO

Na escuridão das minhas costas e nesse tempo por mim vivido,

Vejo lá atrás, o que sobrou dos meus erros nessas caminhadas.

Uma nuvem de incertezas que devora o que eu já tinha sofrido;

Nunca deixa réstias, nestes meus pesadelos de almas clamadas.

Ela me cobre como um manto, a minha negra vida em penitência.

Ela cobra o meu mal, com as míseras moedas de um santo desleal.

Fico sem poder rasgar as dores que lá ficaram pedindo clemência,

E sem resgatar a moralidade que me salvaria deste destino fatal.

A carne crua me dói num lamento, que das inocências se alimenta,

Descarregadas nessa memória de demônio, sina que agora eu sou.

Sofro, mesmo sendo uma aberração, qual a expressão não aparenta,

Face enrolada em pergaminhos de peles, que o meu desejo já levou.

Vozes em lamúria que me cortam em calafrios, levam-me condenações.

O dia em mim nunca amanhece e não vejo as luzes dos meus perdões.

Nada que eu faça sentir em grande arrependimento, me cura essa dor,

Mesmo a querer de Deus me aproximar, pois, o violei num ato pecador.

Diante dele eu não existo, sou um espírito condenado de negras luzes.

Um calvário de espinhos é a minha morada, rodeado de muitas cruzes.

E cada uma ostenta uma placa com os nomes dos anjos crucificados,

Ali não repousa o corpo, só ficaram as almas, nos cravos martelados.

ÓPERA DA MORTE

Um sininho anuncia! Toca um acorde na melodia!

Em seguida, vai se abrindo uma linda cantata,

Na dulcíssima voz que traz a tristeza e alegria.

Criaturas estranhas de mim começam a escapar,

Saem, e sobrevoando o meu corpo, rodeiam-me...

São como anjos sem rostos querendo me atacar.

Ao mesmo instante nos graves solos do tenor,

Outros seres aparecem e afastam os invasores.

Do choro ao sorriso, dor que vai até ao louvor.

Expiação que é felicidade, de um aperto no coração,

Uma inteira vontade de estar somente no meu céu...

Com as batalhas dos instrumentos em luta e emoção.

Oboés e flautas lastimosas seguem aquele lúdico piano,

Nos toques suaves das cordas da harpa eu alço um vôo,

Canção que parece me penetrar na voz de uma soprano.

A grande opera, em vida dupla já me transformou,

Devagar... De meu pungente alvéolo eu vou saindo...

Para outra dimensão agora, essa sinfonia me levou.

No meu rosto extasiado, a cada lágrima que rolou,

Tem o significado de uma extrema e intensa paixão,

Que estava presa, e essa penetrante canção livrou.

Tudo que é venerado, me apareceu muito de repente,

E foi-se embora num sopro que durou uma eternidade,

Depois de ter se quebrado esse muro em minha mente.

Os tambores repicando em frisson no timbre dos pratos;

Violinos intensos e sôfregos entram na minha clara alma.

Minha pele arrepia, revivo em mim todos os meus fatos...

O coral que canta alto, me assombra em contentamento;

Tenho vontade de gritar e grito expulsando os horrores,

E no meio dessas dores, ouvindo o som, eu morro lento...

CARNES

Faz-me a alma amplo corte, qual me coze esse corpo,

Onde o insano em lamento depura-me em sofrimento;

Mais do que é certo, me dependuro neste vivo-morto,

Sobrando-me ao encher uma razão sem merecimento.

Vermelha que fico em vergonha nesta exposura,

Ao revelar-me tão sanguinolenta em vis matérias.

Alimento-me de mim nesta eterna e crua loucura,

Doando-me vida, nas quentes curvas das artérias.

Percorro os caminhos que antes eu não quisera conhecer...

O pedaço de mãe que ficou em meu umbigo, já apodreceu;

Um pai... Onde nas esquinas, o jorro do amor fez escorrer...

O peso que eu agora sou, em fatiadas dores me esqueceu.

PERDIDO EM SOMBRAS

Em muitos momentos uma voz me diz coisas quando me vê,

Deixando-me bem curioso para descobrir quem é o seu dono,

Tento mais que depressa, antes que ela me fuja em abandono,

Correr contra o tempo para mostrar a todos o que não se crê...

Mas, ela venceu-me novamente, ao falar-me injúrias e após fugir,

É estranho me sentir assim, como se daqui nada me pertencesse,

Este fato que eram incertezas, agora é o que está a me consumir,

Sofro lento ao ouvi-las, e a minha vida viaja como se peregrinasse.

Lembro que em sonhos ela também me aparece, disposta a me desafiar,

Deixa as suas marcas em minha memória, na forma dos puros lamentos,

Numa nuvem negra que cobre minha aparição, vejo os meus sofrimentos

Que desesperados, querem sair desta sombra, com fome de me alucinar.

Fiz muitas orações que de nada me adiantaram, por ela foram excomungadas,

Então, entrei na mais intensa fé dos espíritos, daqueles que eu amei de verdade,

Evoquei pessoas e entes queridos que em seus leitos achavam-se descansadas,

Para reforçar minhas defesas e tentar por um fim nesta tão surreal insanidade.

Dentro deste julgamento que tanto me afligia, eu finalmente consegui entrar,

Sei agora que em cada combate travado, uma triste sina eu libertei em perdão;

Caminhei dentro dos meus céus e infernos sem demonstrar os medos da razão,

Segui á frente e firme em meio à paz e a desolação destes mundos, só, a chorar.

As minhas lágrimas carnais levaram as minhas angústias condenadas,

Tiraram-me todos os pecados, onde o meu corpo lhe servia de abrigo,

Levaram embora a desesperança e a dor das minhas atitudes erradas;

Fizeram-me ser piedoso, depois que o meu frio coração foi atingido...

Quando afinal eu matei as minhas sombras que também me mataram,

Pude perceber que somos fracos..., mesmo tendo vencido as batalhas;

Nas vitórias..., somos perdedores sem glórias dos que pra trás ficaram;

Do nada que restou das sombras mortas, estão nossas frias mortalhas.

ENTENDA

Entenda você ó criatura de Deus,

Que o presente maior você já tem.

Ainda que habitá-lo nos dias teus,

Ao sair de ti, ficarias dele um refém...

Porque o velho ainda permanecerá novo,

Somente é, porque continua por ti usado;

Dentro de um mundo casulo, como o ovo,

Passado sem vida, vinga ao ser chocado.

O que te amedronta não são as maneiras deste adeus?

Pense na despedida como sendo um tesouro sem preço,

Pois se pobre ou rico, a vida, na morte vira um adereço,

Entenda que não existe diferença entre os fiéis e ateus...

És um sábio? Diga-me então, se aqui há limites entre céu e chão?

Eu respondo que não! Se assim fosse, nossos anjos não morreriam,

Nessas sementes que o ódio traga, e que aqui nunca mais vingarão.

Como num ressuscitado, a morte e o tempo sempre te desafiariam...

De ti o que tiraram, voltaria à tona em arte.

O que mais então tu pedes em recompensa?

O que me abate, é fio da faca que te corte!

E depois vem em mim com esta morte densa.

Morrer! É prazer da consciência, em alma lavada;

E quando não se é entendida, fica presa e sofrida.

Como num derrame acometido, permaneça calada,

Apenas olhe e angustie, querer nascer noutra vida.

Tão gélida, e mesmo sem chegar a nenhuma morada,

Sinta-se em casa por aquilo que existiu, e assim viu,

Deite-se olhando pro infinito nesta sua hora marcada,

Na passagem conformada do choro, quando já partiu...

Mergulhe profundamente, num lago frio, negro e borbulhante,

Afogue por um momento, esta grande fome de muitas nações,

Que pedem misericórdias em vida, deste mundo cruel, errante.

Depois me diga se em seu lamento, você morreu sem razões...

Numa gigante selva sem flores, sem pássaros e de nenhuma fonte,

Enterre agressões, e todas as pessoas assassinadas covardemente,

Que não puderam ser salvas, mesmo que a pedir socorro alucinante;

Depois me diga se em seu lamento, há um futuro neste horizonte...

ÓBITO

Sou um caminho que ronda incessantemente,

Onde devo lhe procurar em qualquer instante;

Sou o louco, que na ira transformo esse nada

Que há dentro do limite, numa história marcada...

Venho do amargo regresso em fado purificado,

Que em salobras salivas come o seu fel aberto;

Teu espectro lânguido, em meu gosto é desejado,

E sento-me ao seu lado neste momento tão certo.

Tenho variadas formas que desagrada o teu olhar,

E sem pena de ti, ponho-te a olvidar o sofrimento;

Quero encontrar um dia quem queira me desafiar,

Não por força, mas na incerteza de um julgamento...

Assim eu mostraria ás carnes que ainda andam expostas,

O que é frio e absoluto e sem que temas uma passagem;

Veriam que uma sombra em alento daria suas respostas,

Sem escolher dogmas humanos, nem o medo e coragem.

E você criatura estúpida, qual contente aqui peregrina,

Dê o que tens de valor para salvar a sua fé angustiada,

Desta que usas cruelmente para enganar a própria sina;

Quando deitar-se tão perene, sua mentira será enterrada.

Setedados
Enviado por Setedados em 04/06/2012
Código do texto: T3705376
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