Fernando Pessoa e Eu

Pessoa

“Atento ao que sou e vejo,

Torno-me eles e não eu.

Cada meu sonho ou desejo

É do que nasce e não meu.

Sou minha própria paisagem;

Assisto à minha passagem,

Diverso, móbil e só,

Não sei sentir-me onde estou.”

Ana

Até parece que eu

Copiei tua imagem e sou

Apenas tudo o que sobrou

De um vulto que esteve aqui

De alguém que já ficou

Ancorado no porto sem partir

Meu desejo é teu desejo

O que me sobra sem ti?

Pessoa

“Enquanto não atravessarmos

a dor de nossa própria solidão,

continuaremos

a nos buscar em outras metades.

Para viver a dois, antes, é

necessário ser um.”

Ana

Eu bem sei o que dizes

Meu barco ainda está no mar

Atravessando esta ponte

Que muitas vezes faz sonhar

Minha metade deserta

Não cansa de procurar

Mas é no escrever, confesso

Que minha outra metade está.

Pessoa

“Eu tenho uma espécie de dever, dever de sonhar, de sonhar sempre,

pois sendo mais do que um espetáculo de mim mesmo,

eu tenho que ter o melhor espetáculo que posso.

E, assim, me construo a ouro e sedas, em salas

supostas, invento palco, cenário para viver o meu sonho

entre luzes brandas e músicas invisíveis.”

Ana

Aprendi contigo companheiro

A fazer meu próprio enredo

Sendo assim invento

Aplausos para sorrir

Fantasias para vestir

E alguém no palco para aplaudir

Se ainda pareço perdida

É que me perdi nos braços da sorte

E agora sem direção, sem rumo

Não tenho sul, não tenho norte

Pessoa

“Sim, sei bem

Que nunca serei alguém.

Sei de sobra

Que nunca terei uma obra.

Sei, enfim,

Que nunca saberei de mim.

Sim, mas agora,

Enquanto dura esta hora,

Este luar, estes ramos,

Esta paz em que estamos,

Deixem-me crer

O que nunca poderei ser.”

Ana

Deixei-me ser assim também

Eu também já fui alguém

Alguém me fez sentir-me assim

Me deu a mão, o braço e o beijo

Me encheu de amor e desejo

Mas agora enfim voltei

E enquanto durou aquela hora

Que beleza de aurora

Que infinita noite deixei acontecer

Pensando em teus versos sonhei

Vivi o que nunca poderei um dia ser.

Ana Maria de Moraes Carvalho
Enviado por Ana Maria de Moraes Carvalho em 31/05/2012
Código do texto: T3697832