Silêncio

Quantas vezes pintei o chão para pisar?

Desenhei uma boca para beijar

Num jardim sem flores nem folhas

Escureci o céu para não ver

Minha vida sem cor e sem sal

Fiz meu corpo de velho jornal

Atei minha rede no ar que eu plantei

Quantas vezes pintei o chão para pisar?

Desde aquele dia em que fui colher

O sal da tua boca pra poder viver

Inventei o acorde para poder cantar

Sem melodia, harmonia, sem par

Quantas vezes desenhei o chão para pisar?

Infinitas cordas construí assim

Com rotos sonhos efêmeros e distantes

Cervantes, Camões, Pessoa, Anjos

Nunca dormi ou senti o doce afago teu

Vivo num mundo que não é meu

Nem me pertence essa agonia

Apaguei o traço que me levou aí

Nem sequer me lembro mais de ti

Não são tuas as letras que escrevo

Nem é meu esse imenso beijo

Que desenhei no céu que vês

Quantas vezes desenhei o chão para pisar?

Agora apago as pegadas, as marcas, rastros

Agradeço as sobras, os restos que ganhei

A pena que vi nos olhos profundos

De um mar que nunca naveguei.

Ana Maria de Moraes Carvalho
Enviado por Ana Maria de Moraes Carvalho em 25/05/2012
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