Silêncio
Quantas vezes pintei o chão para pisar?
Desenhei uma boca para beijar
Num jardim sem flores nem folhas
Escureci o céu para não ver
Minha vida sem cor e sem sal
Fiz meu corpo de velho jornal
Atei minha rede no ar que eu plantei
Quantas vezes pintei o chão para pisar?
Desde aquele dia em que fui colher
O sal da tua boca pra poder viver
Inventei o acorde para poder cantar
Sem melodia, harmonia, sem par
Quantas vezes desenhei o chão para pisar?
Infinitas cordas construí assim
Com rotos sonhos efêmeros e distantes
Cervantes, Camões, Pessoa, Anjos
Nunca dormi ou senti o doce afago teu
Vivo num mundo que não é meu
Nem me pertence essa agonia
Apaguei o traço que me levou aí
Nem sequer me lembro mais de ti
Não são tuas as letras que escrevo
Nem é meu esse imenso beijo
Que desenhei no céu que vês
Quantas vezes desenhei o chão para pisar?
Agora apago as pegadas, as marcas, rastros
Agradeço as sobras, os restos que ganhei
A pena que vi nos olhos profundos
De um mar que nunca naveguei.