DAQUI VEJO O RIO

DAQUI VEJO O RIO . De onde estou, posso escutar o rio. Escuto-o e falo com ele. Faço dele meu confidente. Conto-lhe tudo acerca de mim. Passo horas junto dele, perdendo a noção do tempo. Sei que tudo o que lhe digo fica ali... nas águas do rio, onde estou. Sei que nunca ninguém vai saber das palavras simples que só com o rio eu falo. Só há uma coisa que ainda não lhe contei. Algo estranho e significativo que se passou comigo. Um dos meus passeios ia sendo o último de todos os que já fiz. Caminhava sozinho, como é hábito meu, pelo parque e por caminhos rodeados de árvores, quando avisto ao longe uma silhueta que se aproxima velozmente de mim. Atemorizado, trepo rapidamente para uma árvore e seguro-me num ramo onde fico dependurado. Nesse preciso momento consigo ver uma fera enfurecida, escorrendo baba de raiva, de dentes afiados, sedentos de sangue, pronta para me ferrar, para cravar os dentes no meu corpo. Consigo sentir o seu furor muito perto de mim e entro em pânico. Baloiço o ramo e projeto-me mais para cima da árvore. Todo o meu corpo treme de medo e apodera-se de mim a sensação de que ia morrer se ninguém viesse em meu auxílio. Mas algo aconteceu que amansou a fera. Alguém a tinha laçado. Ganhei coragem e desci da árvore, do meu refúgio. Quando desço a fera aproxima-se devagar e, já não respiro ofegante, já não sinto nada, já não tremo, não tenho medo. Começo a soluçar intensamente. Estico a mão e acaricio-a. Perco a noção de tempo, de espaço, a razão de viver, já nada importava se tivesse de morrer