Suicídio no Convento

O terço descansou no criado-mudo junto à cama

E as mãos se separaram

A mão esquerda, mão cristã que não sabe o que faz a direita

Repousou em algum canto, como que a lavar-se de algum ato condenável

A mão direita, que dedilhara o terço, nesse quarto de convento

A mesma que por vezes, dedilhava solitários suspiros de pecado original, no mesmo quarto de convento...

A mão direita, pois, abraçou o punhal

E com ardor tal,

Que bem poderia ter sido a carne de um amante (não Celestial)

Eis que a mão segurou o punhal

E imolou a carne

A mão imolou a carne de onde provinha a mão mesma...

E ela - a madre - agora carne em transição de vida e morte

Sentiu o verbo, que outrora se fizera carne

Agora carne encharcada e sangue entregue (não por nós)

Sentiu o verbo espairecer-se como orações ao vento

E sentiu a vida escorrer-se

E foi-se com ela, como que a buscá-la de volta...

O punhal então fugiu-se das mãos agora soltas, caídas

E toda a carne por fim se fez fria

E a vida se fez verbo, a ecoar pelos ares do convento

Como orações ao vento.

Eron Levy
Enviado por Eron Levy em 01/04/2012
Reeditado em 10/12/2012
Código do texto: T3588566
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