Suicídio no Convento
O terço descansou no criado-mudo junto à cama
E as mãos se separaram
A mão esquerda, mão cristã que não sabe o que faz a direita
Repousou em algum canto, como que a lavar-se de algum ato condenável
A mão direita, que dedilhara o terço, nesse quarto de convento
A mesma que por vezes, dedilhava solitários suspiros de pecado original, no mesmo quarto de convento...
A mão direita, pois, abraçou o punhal
E com ardor tal,
Que bem poderia ter sido a carne de um amante (não Celestial)
Eis que a mão segurou o punhal
E imolou a carne
A mão imolou a carne de onde provinha a mão mesma...
E ela - a madre - agora carne em transição de vida e morte
Sentiu o verbo, que outrora se fizera carne
Agora carne encharcada e sangue entregue (não por nós)
Sentiu o verbo espairecer-se como orações ao vento
E sentiu a vida escorrer-se
E foi-se com ela, como que a buscá-la de volta...
O punhal então fugiu-se das mãos agora soltas, caídas
E toda a carne por fim se fez fria
E a vida se fez verbo, a ecoar pelos ares do convento
Como orações ao vento.