O Tombo

Vida exaustiva

num parque azul mosquitos me mordem à toda hora

ameaçam meu sanduíche

a mortadela é um vermelho que já passou

vou subindo a rampa verde, segurança lá em cima

só meu cuspe que caiu e morreu de transparência

a amizade de cetim branco e bolinhas pretas que a chuva borrou

foi-se a verdade e o campo também

do além alguém me chama, tudo mais preto que asfalto

Cristina, várias vezes te vi pintada de verde na minha

cabeça de bagre ocre e no Acre também te encontrei

arranho o céu aqui do último andar

as cabeças lá embaixo se mechem

mostram que as coisas existem e que nada se pode mudar

a não ser meu cheiro embaixo do braço

pra quê tanta educação?

subi tão alto no Rio que cheguei ao Corcovado

lá de baixo olhavam as minhas calcinhas de renda cor de carne

Do monte me jogam no mar

subo no verde da onda

volto pra areia sem cor, umbigo olhando pro céu

como os olhos, nada vê

E aí chega um marciano:

Você vai comigo partir,

meu mundo é cinza-castanho,

de lá ninguém pode cair.

(e eu caí pra cima) lá em cima as estrelas bateram na minha

cabeça e não havia Melhoral, vi tudo escuro primeiro

depois a nuvem preta sumiu e apareceu Shangri-la

e apareceu o Méier... mas não dava mais tempo

Rio, 07/10/1973