ANACRÔNICO
Juliana Valis


Deveria ter perdido a imagem do dia 

Quando a noite entregou-me a vida

Enquanto a memória desenhava versos

Bem no cerne da lágrima arrefecida



E, desde então, o que trago em mim ?

Um segundo de lucidez ?

Uma hora de verdades ditas ?

Um dia repleto de esperanças mal curadas ?

Uma semana de nostalgias fritas  ?

Um mês de amores assados ?

Um ano de idéias servidas ao molho madeira ?

Uma década de frustrações cozidas ?

Um século de ideais perdidos 

Nestes milênios de olhos trôpegos ?



Sim, isso tudo é factível neste tempo

Em que a bússola da alma simplesmente

Aponta para o sul dos sonhos sóbrios 

Além do norte deste inconsciente

No qual a memória vaga e vaga,

Dança e se joga pelo abismo das desilusões...



Céus, meu coração é nada mais, nada menos

Que um relógio simplesmente anacrônico !

E ele não conhece horário de verão,

Nem de inverno, 

Nem de primavera

Ou de outono,



Ele bate apenas, esperando

Que o tempo derreta

O milênio de dor 

Desenhado em nós. 




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Quadro de Salvador Dali, "A persistência da Memória"