Miocardioneuropatiafarmacopéica
(para Maria Luíza)
De que mal padeço, Senhor?
Por qual motivo o contraí?
É mortal? Será contagioso, Doutor?
Será este vírus mentalmente transmissível?
ou por meus pecados, mereço padecimento tão terrível?
A verdade é que depois dela fiquei doente
mesmo sabendo que clinicamente o sintoma é inadmissível
ainda assim, Doutor, a visão dela faz dançar a minha mente.
Não é necessário que me diga que preciso ser honesto
Porque bem sei que não posso mais retardar meu tratamento
então confie que cada palavra, cada gesto,
estão, agora, desprovidos de qualquer fingimento:
logo que ela me tocou senti que possui mãos de fada
e, apaixonado, brindei-a com taças e mais taças de água desmineralizada.
De plano constatei que amá-la não me seria fácil
necessitava, antes, demolir o muro de hidróxido de potássio.
Haveria em sua relutância irresistível isca a esconder inexorável anzol?
Por via das dúvidas e, não querendo fazer feio, me encharquei de Acetato de DL-Alfa Tocoferol
Os olhos dela passaram a ser minha luz
reconheço-a em cada coisa e sua voz em cada som
enquanto permaneço acordado após três caixas de Sonebom.
Seu sorriso me estimula e me ensina
que a felicidade está na ingestão de trietanolamina.
À consciência, prefiro frascos e frascos de Haldol
noite após noite, cada vez mais insone,
rolando, saudoso, em meu colchão de microemulsão de silicone.
Cetonas, ésteres, alcoóis e éter expiro
cada vez mais prisioneiro dela, em cadeias de carbono.
Logo eu que sempre a olhava e nunca a via, tão estúpido, tão arcaico
só a descobri ao viajar com cianocobalamina e hipocaico.
Me entendia tão centrado e possuidor de mente tão sã
mas apenas consegui a consciência plena com hiperdosagens de bromazepan.
À duras penas sobrevivo, mastigando água e bebendo vidro
buscando a lucidez ao combinar metano, benzeno e piridil-bromo-diidro.
Hoje, odeio formalidades e etiqueta, como com as mãos e dispenso o prato
Mesmo em banquetes que servem canapés de octilmetoxicianamato.
Nunca mais fechei a porta, mandei até que arrancassem o trinco.
Não vou mais resistir à invasão do óxido de zinco.
Esqueci-me até de meu grande amor, Maria Inês,
quando me intoxiquei com sulfato de manganês.
Abandonei, coitada, minha tão amada Cristina
depois que me viciei em cetotifeno combinado com altas doses de cafeína.
Abdiquei até àquele magnífico par de peitos e à sua lactose fenomenal
trocando-o, acredite, por um pouquinho de dióxido de silício coloidal.
Cheguei mesmo a trair minha mulher, nada criativa e sempre tão mandona
com um enorme vidro de polivinilpirrolidona.
Não podendo mais esconder minha paixão, tornei-me sutil como um gorila
voltando para casa, sempre, sob o efeito de monoesterato de glicerila.
Minha dor não se curou com os litros, que tomei, de dipirona sódica
nem as hemorragias provocadas pela varfarina “sádica”.
Ao descobri-la sempre ao meu lado resolvi assassinar o tempo perdido
Mergulhei os relógios em ácido infenânico, sulfato de neomicina e algum aldeído.
Um dia percebi que só atingiria o fim colimado, isso era fato (!),
se convencesse a dimeticona a deixar-se seduzir pelo dimenidrinato.
Tentei fugir à doçura de seu olhar engolindo toneladas de glibenclamida
porém, só consegui mesmo urinar a alma quando me injetei furosemida.
Nesse tempo, amava-a sobremaneira mas ainda temia morder a maçã,
por isso, um dia, tomei cinqüenta picos de fenergan.
Ansiava que nossa história fosse a mais bela e desejava-a a mais comprida
assim, me dispus a matar a morte e, quem sabe, tentar de novo a vida.
Não podia mais viver sem ela tão pudica e, no íntimo, tão sacana
Viciada, também ela, em monolaurato de polioxietileno sorbitana.
O aperto no estômago não se curou com cloridrato de ranitidina
assim, alucinado, tomei, num bar, inúmeras doses de cianocobalamina.
Isso tudo porque, sabendo-a madura, descobri-a ainda tão menina.
Possuía carências, deficiências, erros, quase tudo igual a mim.
Sabíamos que devíamos nos curar banhando-nos, numa banheira de furacin.
Essa mulher, tão amada, tão benvinda, tem para mim o efeito do trinitrotolueno.
Meu coração só reage à nitroglicerina
se ingiro, ao mesmo tempo, enorme quantidade de oxibenzeno
e, se ainda vivo a culpa é do carvedilol
enquanto resisto à tentação de ingerir mais e mais inositol.
Mandei-lhe flores que, para que não murchassem, aspergi-as com formol
e, temendo ser rejeitado, tomei copos e copos de sorbitol.
Até que ela se decida minha espera não termina
fico sem ar, torço as mãos e transpiro muitos litros de metformina.
Estava disposto a tudo por ela mas a ética me impedia de ser vil
assim, para não magoá-la, recusei-me a me tornar o rei do amidopropil.
Em desespero tentei várias vezes uma “overdose”
algumas com propatilnitrato, outras com hipromelose.
Um dia pensei: -“Se não morro, então me mato!”.
Não mais suportando viver sem ela, angustiado,
tomei um copo de copolímero poliacrilato.
Encontrado agonizando, fui socorrido. Temendo ser de novo condenado à vida,
ainda na UTI, tentei arrebentar o crânio
e para não falhar, mais uma vez como suicida,
disparei contra minha cabeça uma rajada de balas de dióxido de titânio.
Quanto mais parto, percebo que mais perto dela eu fico
nessa dicotomia provocada pelo triclorohidroxidifenílico.
No entanto, as coisas continuam tendo
a aparência de meros subprodutos do propilparabeteno.
Não existo mais sem ela, aparentemente simples e tão sutilmente fina
tão discreta e requintada em seus banhos de cloridrato de hidralazina.
Desejo-a tanto que sequer pensei em imaginá-la nua
em que pese dela necessitar, sempre, sob meu lençol.
Amo-a na cama e muito mais na rua
até mesmo sob intensa chuva de éter butílico de propileno glicol.
De meu fígado foram arrancados todos os fatores lipotrópicos
por isso estou com essa aparência de quem foi contaminado pelo césio
e se os exames demonstram com crueza meu lamentável estado
sugiro que coloquemos a culpa no estearato de magnésio.
Doutor, eu lhe imploro: - Por favor, use seus conhecimentos e me cure!
Não importa quanto irá me cobrar,
mas seja sincero, jure,
qual seja a terapia adotada, não permita-me deixá-la de amar
Escute bem, chegue bem perto,
por Deus, não se engane na receita que prescreve .
Ajude-me, de uma vez por todas, a sair deste deserto
e qualquer que seja a droga que me recomende,
receite apenas uma "M. L."