ROTEIRO DA PERCEPÇÃO
A A. L. (com carinho)
I
Não há silêncio nesta sala.
Se de hospital fosse
(corredor ao menos)
um cartaz
traria uma enfermeira
de branco
com o dedo nos lábios...
O silêncio é para escrever
poesia,
deixar fluir inspiração
ou pelo menos
compulsar o Houass
sem deixar de ouvir
o barulho das páginas
deblaterando ao vento...
II
Love.
Não!
Risca.
Não é bilíngüe:
Amor!
As acepções são tantas,
mas amor não se aprende
nos livros.
Amor se aprende na vida
(com o coração)
amor se debulha
na manhã da vida
e como milho amarelo
se desnuda
ao sol do meio dia.
III
Na escrivaninha a observo
e logo você sorri.
Não passas de uma página em branco
solta sobre a mesa.
O ventilador teima
em movê-la insistente.
Você levita rebelde.
Há uma caneta dourada ao lado,
uso-a como peso
para contê-la.
Você, agora, está presa à mesa,
mas as bordas flutuam
esperanças...
IV
O escritor é o deus
de seus personagens.
Ele dá vida à folha morta.
Em meu escritório silente,
- apenas ouvindo
o assobiar do vento
e o arrulhar de pombos externos -
tomo nas mãos
a caneta doirada
que escreverá uma história
em você:
papel branco
disponível para o amor.
Você sacode-se ao vento
e tenta escapar
das minhas mãos
que a perseguem na escrivaninha.
Há um sorriso no canto
de seus lábios.
Expectativa.
Esperança.
Você faz-se de difícil.
Desligo o ventilador.
e você descansa suave
aguardando o mover de minhas mãos...
V
Em breves segundos
imagino essa folha de papel branco
sendo dobrada ou dobrando-se
no ar.
Origami humano.
Você é um passarinho,
uma rola,
pombinha esvoaçante
nos céus da paz...
Mas, antes de alçar vôos próprios
e ganhar com suas asas
os céus da sua liberdade,
você se submete
ao ritual de preparação para a vida:
repousa domesticada sobre
a escrivaninha
e aguarda meus dedos frementes
elaborarem o roteiro inicial
do trajeto que há de seguir
pelos ares rarefeitos do amor.
VI
Pensei versos suaves:
doces como a voz
de sopranino
ofuscando a orquestra...
Mas a sirene
da ambulância
estridente
barulhou no quarteirão.
e minha mão tremente
rabiscou palavras
de amor nervoso
na folha em branco de sua vida.
Você estremeceu.
e sua folha/corpo
envolveu-se por sensações
inaudíveis,
(nunca dantes sentidas),
e as cordas da paixão
acionaram emoções
até então adormecidas.
VII
A caneta rebela-se
em meus dedos
e num rompante
estrepitoso
(instante nervoso)
o papel é totalmente
preenchido
das palavras e seus signos:
está pronto o roteiro,
mas carece
de uma hermenêutica.
Enquanto a folha é
preenchida desta escrita
seu corpo estremece
e você experimenta,
de Norte a Sul,
vibrações benditas,
emoções angelicais,
prazeres transcendentais,
ofertados por Afrodite.
Acredite:
você está amando
e acabou de ter
um orgasmo.
VIII
Seus cabelos
são ondas flutuantes
de leveza.
Seu rosto abre-se
num sorriso tímido,
mas grandiloqüente
de paixão.
Seu corpo é flor
desabrochando
para a vida
prenhe de formas,
cores e perfumes
e você acende
desejos em mim
tais lumes
na escuridão.
IX
Enquanto minha mão
está fixa no papel -
firmando a folha/corpo
para a caneta
roteirizar -
sou tomado
pelo êxtase do amor
e quero
eternizar este
momento
mesmo que não passe
de folha ao vento.
X
A sensação que tenho –
enquanto a caneta
desliza sobre o papel –
é a de meus lábios
percorrendo seu corpo nu,
ante-sala de meu céu.
E seu sabor é doce,
delicioso:
manga colhida no pé;
jabuticaba trepando pelos galhos nus;
jaca viscosa aberta ao meio;
morango vermelho rublo de paixão.
XI
É difícil descrever o amor.
Quase impossível escrever
versos silenciosos
quando o coração
pulsa paixões
incontidas.
Ouço do companário
o sino que compõe
uma ária
em nossa homenagem.
As notas ecoam firmes
nos ares de nosso sonho.
É uma canção em:
sol brilhante,
dó minguante
e mi regozijante.
XII
Depois desta emoção
de nossos corpos unidos
sentindo o calor
dessa fogueira de amor:
a janela do escritório se abre;
a brisa invade a vida;
a escrivaninha se fecha;
o dicionário se desfaz;
a folha de papel se dobra;
a caneta de ouro é guardada no porta-jóias...
Você se levanta nua e linda –
pombinha de amor e paz –
e se projeta solene em direção
ao misterioso mar de Ipanema
(meu vivo e lúdico poema)
a ensinar ninfetas sobre o amor!