NO MEIO DO CAMINHO.

O que me resta destas horas dissolutas

Senão o resignar silencioso do efêmero.

Acocado à margem da vida...

Contemplar sua inalterável culminância no nada.

Sem pungimentos ou vicissitudes que me antecipem a bile,

O tempo é o solvente universal da vida.

Na estrada, parte da massa, alheia a si própria,

Passa como um motor em uma linha de montagem.

Não sente em si a esmagadora consciência de se saber finita.

Fordicamente passa.

Outra parte passa alheia ao passar,

Carrega em si o expectorante balsamo invisível do porvir,

Escatologicamente passa.

Só eu estou à margem, acocado entre arautos latumia-dores.

Sinto formigamento nas pernas por conta do acocar.

Não há mais neuroligações entre meu cérebro e meus músculos

A poeira gerada pela massa, que passa, se apega a minha hipoderme.

Olho-os passar...

Nenhum dos viandantes se parece comigo.

Alguns estão de mãos enlaçadas,

Não é o enlaçar de amantes que trocam olhares e encostam-se.

-Ombros afastados e olhar fixo no horizonte-

Como o que carrega uma urna com um amigo dentro.

Passo a passo, peregrinos, passam,

Num movimento uniformemente variado... dízimas periódicas da existência.

O sol queima-me a nuca descoberta,

Mas as nuvens longe se acumulam atrás dos peregrinos.

Nuvens negras de muitas águas.

Todos serão apanhados pela chuva,

Inclusive eu que não caminho também a fugir dela,

Mas o não olhar para trás lhes dá a ilusão de que caminharão para sempre.

Eu não, quero receber a chuva de frente

Sem pungimentos ou vicissitudes que me antecipem a bile.

Por isso, acocado sem latumiações, deixo o sol queimar-me a nuca.

Assim, penso descobrir no vento frio da chuva

E em seus grossos pingos que se precipitarão sobre a minha face

O sentido marginal da estrada.

Saulo Palemor
Enviado por Saulo Palemor em 02/10/2011
Reeditado em 25/01/2017
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