NO MEIO DO CAMINHO.
O que me resta destas horas dissolutas
Senão o resignar silencioso do efêmero.
Acocado à margem da vida...
Contemplar sua inalterável culminância no nada.
Sem pungimentos ou vicissitudes que me antecipem a bile,
O tempo é o solvente universal da vida.
Na estrada, parte da massa, alheia a si própria,
Passa como um motor em uma linha de montagem.
Não sente em si a esmagadora consciência de se saber finita.
Fordicamente passa.
Outra parte passa alheia ao passar,
Carrega em si o expectorante balsamo invisível do porvir,
Escatologicamente passa.
Só eu estou à margem, acocado entre arautos latumia-dores.
Sinto formigamento nas pernas por conta do acocar.
Não há mais neuroligações entre meu cérebro e meus músculos
A poeira gerada pela massa, que passa, se apega a minha hipoderme.
Olho-os passar...
Nenhum dos viandantes se parece comigo.
Alguns estão de mãos enlaçadas,
Não é o enlaçar de amantes que trocam olhares e encostam-se.
-Ombros afastados e olhar fixo no horizonte-
Como o que carrega uma urna com um amigo dentro.
Passo a passo, peregrinos, passam,
Num movimento uniformemente variado... dízimas periódicas da existência.
O sol queima-me a nuca descoberta,
Mas as nuvens longe se acumulam atrás dos peregrinos.
Nuvens negras de muitas águas.
Todos serão apanhados pela chuva,
Inclusive eu que não caminho também a fugir dela,
Mas o não olhar para trás lhes dá a ilusão de que caminharão para sempre.
Eu não, quero receber a chuva de frente
Sem pungimentos ou vicissitudes que me antecipem a bile.
Por isso, acocado sem latumiações, deixo o sol queimar-me a nuca.
Assim, penso descobrir no vento frio da chuva
E em seus grossos pingos que se precipitarão sobre a minha face
O sentido marginal da estrada.