Estória de Ipê

Outubro de 2003

Senhores, senhoras, meninos, meninas,

Que andam nas ruas desta cidade:

Não olham pro nada, só olham de esquina

Não param pra ver do mundo a verdade.

Verdade de si, de criar, de pensar

Sair da TV, buscar solução

Segredos da terra, sequer indagar

“existe loucura na imaginação?”

Mas permitam favor, poder lhes contar

Estória absurda que por mim passou

De um longínquo tempo, do tempo rimar

De era tão simples, tão louco supor.

Um homem distinto de seus semelhantes

Cuidava com zelo de sua floresta

As flores o tinham como tal amante

Os bichos, todinhos saudavam em festa

O zelador plantava, era esse o vício

Em época que árvores se viam montão

Angelim, mogno, cedro, que ofício!

Andiroba, copaíba e até fruta-pão.

Louro, que faia, que rosa, ingá

Guajará, quaruba, breu, cumaru

Cupiúba, anani, cajuí, piquiá

Cinzeiro, cedrorana, fava, acapu

Todas plantava, todas vingavam

Folhosas cresciam, sadias, mimosas

Em torres diversas se apresentavam

Esguias, posudas, grossas, vistosas

Cresciam traquinas, com ar natural

Namoros, de perto, de longe ocorriam

Mandavam bilhetes ao vento postal

Insetos-cupidos, respostas traziam

Faziam sua prole, espalham na terra

Mudas que o zelador um dia há de vê-las

Gratas ao mestre, as árvores encerram

Um laço perene, sem nunca perdê-las

Porém, uma delas, de folha pentada

Escondia o algo mais que o normal

E vezes tantas, se viu, vil, tentada

De contar ao mestre o que mesmo queria

Não desejava outras árvores, insistia

Às outras que no cochicho estavam

Amava o zelador, para a morte iria

Se o mesmo a ordenasse, e disso pensava

Mas o dito homem, impassível, sereno

Um compromisso antigo dispunha

De uma jovem loira de sorriso ameno

Cravou no peito da planta uma cunha

Motivo, partida da mata do tal zelador

A noiva exigia morar em fazenda

Sem árvores, só pasto, só gado, que dor

De sua floresta, tornar-se uma lenda

“Vais daqui, não vá!!”clama a arvoreta

que desponta como bela e esgalhada

“Suplico, tira-me do tronco esta seta

da alma a sensação do vazio, do nada!!”

o zelador, já saudoso, no momento da ida

abraçou a arvoreta com fundo pesar

no caule, acariciou a mão já tremida

as manchas que tinha bem visto brotar

E foi-se. O fim de seu mundo surgiu.

As árvores as folhas, os lenços brandavam

“Adeus, nosso mestre, o futuro sorriu

pra quem é cortêz, a quem tantos amava!”

“Retornas, querido, pra sombra que tenho.

Não sou mulher, dizes, que posso fazer?

Nos teus sonhos, quiseres, arranco-me e venho

Dizer que te quero, sua simples Ipê!!”

Os meses passaram, o choro mantinha

As folhas, já fracas, caiam, caiam

Magrela que estava, já estava varinha

Nem lembrava a bonita que os Sol reluzia

Os mais velhos, com a arvoreta preocupados

Decidiram tão logo um mensageiro enviar

Pro tal zelador em tão longe ducados

Que este necessário, era preciso voltar

O mogno urgente mandou sua semente

Que o vento, urgente tratou de soprar

Procurando por toda a sorte de gente

O antigo mestre, até o fim encontrar

O zelador agora no seu pasto estava

Tedioso com o destino que era assim

Tão iguais entrei si, diferentes da fava

Que o exemplo esnobava o ignóbil capim

Até que um dia, pra surpresa geral

Um mogno meteu-se no pasto a brotar

“Aqui esse tipo nascer não é nada normal

Me lembro da mata, eu vou é voltar...”

“Mulher! Eu desejo regressar!

Pra minha floresta, pra minha hiléia

Me dá uma semana, eu vou retornar

Só quero a visão, rever a idéia!!”

O Angelim, lá na mata olhava do alto

O zelador se chegando pra junto dos seus

Alertou esparrento que causara o salto

De um macaco assustado, que noção perdeu

“O mestre vem vindo, preparem-se, agora

Balancem os galhos, folhas, sussurrem olá

Cadê a arvoreta, ela acaso ainda chora

Por seu amor proibido, ainda está? Está?”

A arvoreta, não estava pronta, preparada

Estava varinha, feiosa, magricela

“Tupã, me ajuda nesta hora esperada

que só quero a frase: me orgulho dela”

E num desses milagres do Supremo SER

Que mostra a grandeza da vida que é bela

Eis que desponta na sofrida Ipê

Dezenas da mais linda flor amarela

E ela si mostra um anjo na mata

Loirinhos tesouros que léguas se via

Surgiam mais flores, que bela, exata!

Caiam na terra, enfim, coloria

“Tupã! Ipê! Ipê! Como linda estás!!”

“Orgulho de mim!” – gritava o homem

“A minha presença não era demais,

te dar formosura, que digo sem nome!”

E assim o zelador feliz, um abençoado

E a arvoreta ditosa, na mata majestade

Se viam de longe, do longe ducado

Colossal, sublime, dourada beldade

Senhores, senhoras, aqui eu termino

Tais notas que foram, que são ou serão

Pergunto à moça, indago ao menino:

“Existe loucura na imaginação?”