A GRANDE MÃE (Incandescência) & Mais
INCANDESCÊNCIA
[para Berenice Lagos Guedes]
A Grande Mãe me esqueceu de aquinhoar...
Nem sei onde se encontra o meu feitiço!...
Meus mistérios logo deixo desvelar,
sou transparente em meu fideicomisso.
Se a bruxaria faz parte dos segredos
de que somos guardiãs, missão eu falho.
Não tenho sedução, em meus degredos:
meus sentimentos ao redor espalho...
E se é a mulher que devora o seu amante,
ela também se queima: é mariposa,
em torno à lamparina incandescente...
E ao se entregar, no banquete palpitante,
quer casualmente, quer sob o véu de esposa,
termina em pó, de forma permanente...
PROBIÓTICO
É a vibração de ti, a meu redor,
que assim me ondula, sípida e exigente,
bem mais que o movimento, tão freqüente,
com que me lanço a ti, em pleno ardor.
E, ao mesmo tempo, é a forma que me tocas,
a pressão de teus dedos sobre a pele,
um tal carinho que me faz anele
a contaminação total de nossas bocas.
Do mesmo modo que as almas contaminam
e as mentes infeccionam a paixão,
quando se juntam muito intimamente.
E, mesmo quando a outros se destinam,
os lampejos do olhar, sinto somente
essa virose tua ao coração.
SOCIOGRAMA
É no encanto de ti que me imprisiono
a alma e o coração... Eu sou pecado,
porque meu próprio desejo, amortalhado,
enfiei no sudário, sem que o sono
da morte o tivesse primeiro acometido.
Assassinei-me a mim, tornei-me tu,
busquei o teu prazer primeiro, o gozo nu
de te agradar, mesmo sem ser querido.
Que existe crime também no altruísmo,
sempre que ardor destrói uma paixão,
por ser maior que o próprio coração,
quando um amor se torna neologismo.
E se permite assim, nesse truísmo,
amar primeiro a fímbria da ilusão...
AS JOVENS DE ROMA LII
SALÚSTIA
ELA CHAMOU-ME A SI COM TAL FREQÜÊNCIA
QUE A MENTE E CORAÇÃO ME DOMINOU;
BUSQUEI-A, ENTÃO, APENAS COM DECÊNCIA,
E, EM LAÇOS DE AMIZADE,ME ENLEOU...
DORMIMOS NO SEU LEITO E NOS AMAMOS
NA MAIS INTENSA E TOTAL EXALTAÇÃO;
ENALTECIDOS ASSIM, NOS ENTREGAMOS
AOS MINUCIOSOS CAPRICHOS DA PAIXÃO.
PORQUE SEU VENTRE É CERTO QUE QUERIA,
MAS POR AMAR INDA MAIS A NOSTALGIA,
NÃO MAIS A PROCUREI, DEIXEI-A, ENFIM,
POR NELA DESCOBRIR, QUASE PERPLEXO,
QUE NÃO QUERIA AMOR, QUERIA SEXO,
POR MAIS QUE TAL DESEJO HONRASSE A MIM.
AS JOVENS DE ROMA LIII
SERVÍLIA
A CULPA NÃO FOI MINHA: FOSTE TU
QUE NO JOGO DO PODER TE APRIMORASTE,
QUE EM MANTER TOTAL CONTROLE PERSISTISTE,
POR MAIS QUE TE MOSTRASSE, COM PACIÊNCIA,
QUE NÃO TE ERA POR SENTIR SUBSERVIÊNCIA
QUE TE FAZIA AS VONTADES. TROUXE A NU
MEU CORAÇÃO E NELE TRIPUDIASTE,
ATÉ QUE AMORTECER-ME CONSEGUISTE.. .
MAS, AINDA ASSIM, SÓ QUERO RETORNAR,
QUERO SER TE[UA] DE NOVO NA JORNADA,
E UM GRANDE E PURO AMOR TE PRESENTEAR.
NÃO TENS NADA A PERDER, TUDO A GANHAR,
ESTOU TE DANDO, SEM PEDIR-TE NADA,
PELO SIMPLES PRAZER DE ACARINHAR...
AS JOVENS DE ROMA LIV
VALÉRIA
EU ME ENTREGUEI A ELA, TOTALMENTE:
DEI-LHE O TRIGO DE MIM, MOÍ MINHA ESPIGA,
FUI LEVEDO E CERVEJA, FUI AURIGA,
ATRAVÉS DOS LABIRINTOS DE SUA MENTE.
EU DESCUREI DE MIM, PENSEI MAIS NELA,
DO QUE EM CONSERVÁ-LA: DEI-LHE CHANCE
DE SE SENTIR ALÉM DO MEU ALCANCE
E, AGORA, QUANDO OLHO DA JANELA,
SOU RESTOLHO DE MIM, NÃO MAIS QUE PALHA,
DEI-LHE O CERNE DE MIM, DEI-LHE MINHALMA,
E ME ESPALHEI EM VERSOS, ENCANTADO,
ABANDONADOS À BRISA, QUE OS ESPALHA...
E DESCOBRI QUE ERAM RETALHOS DESSA ALMA,
AO VER O VENTO A MEU REDOR ENSANGÜENTADO.
BOROBUDUR
A luz que se reflete em minhas lupas
é como meias-luas semi-baças,
de esquálido fulgor, flores escassas,
a refulgir nas ruínas das estupas
dos templos mortos, no calor de antanho,
de um buddha pueril, inda inocente,
sem esperar tornar-se iridescente
símbolo sacro de mandala estranho.
Porque os humanos amam os portentos
em tudo a seu redor... A transcendência
que lhes disfarce os laivos de impotência.
E, assim, à luz da lupa e à voz dos ventos
e ao sorriso inefável desse buddha
constroem-se templos que a desrazão escuda.
CRUZINHA DE NATAL
Cada um de nóS
Em sonho cristalinO,
Pode ser jesuS.
I N R I
Cada um de nóS, Eu posso ser o teU,
Voltando a ser meninO, E tu serás o meU:
Se tornará jesuS... Tu podes ser jesuS.
E assim, no teu caminhO,
Num sonho pequeninhO,
Também serás jesuS...
E, neste poeminhA,
Que a teu olhar se alinhA,
Meu coração te expuS...
Com amor fraternal, bilL.
CÁFILA [CARAVANA]
É no anel feminino que derramo
o sangue de meu ser e a própria mente...
Meu coração e o corpo, bem freqüente,
se perdem dentro dele, sem reclamo...
Mas o ano é um anel que me constrange,
na marcha inexorável de estações...
Se diariamente me extingue as ilusões,
para o futuro, sem cessar, me tange...
E como o anel me prende, assim o ano
me toma em seus ardores e demonstra
ser mais concupiscente que a mulher...
Pois quer apenas que fecunde o arcano
de seu ventre; mas o tempo que me encontra
tira-me os dias, sem deixar qualquer...
A DAMA DA DRUSA
Vai ser assim pra sempre: um dia, ela me quer,
no outro, nem me olha, demonstra anal humor
e tudo quanto digo, interpreta em desamor:
é como se vivesse no corpo outra mulher...
E é assim no dia seguinte: chega uma outra e outra,
umas me desafiam, outras me querem bem,
é como se tivesse um verdadeiro harém:
porém se alguma ama, já me odeia estoutra...
E então, eu passo a vida em singular vigília,
por mais fiel que seja, ciúmes eu percebo:
é como se espreitasse, do fundo de sua mente,
como me relaciono com a outra, que partilha
do mesmo coração... E quase não concebo
que sinta-se zelosa por meu amor freqüente...
RESPONSO I
"Não fales hoje das horas, das mudanças,
nem me menciones os lírios e as andanças..."
-- Só quero que me fales do ser-em-si contigo,
só quero que menciones ser nós e ser comigo.
"Pois eu falar-te-ei dos seres mais ocultos,
dessas palavras vagas, que soam como insultos.
Porque pronta não estou ainda a escutar-te,
exceto em termos neutros, termos de arte..."
Pois, ao contrário, eu queria que escutasses,
bem no teu coração, o quanto não me atrevo
a te dizer agora, sequer, por meu soneto...
E, se algo mais queria, é então que me falasses
o que eu queria dizer... E que mal sei se devo,
porque, se não falares, percebo que é incompleto.
ano ancestral
tão breve o sonho
desfrutado um dia
longa a elegia
que por ti componho
tão breve a glória
feita de esperança
guardo na lembrança
retalhos de tua história
a meu redor o povo
recebe o ano novo
com alegria e pressa
porém, eu agradeço
ao velho e ainda peço
comigo permaneça