ECTOPLASMA / SUBSERVIÊNCIA
ECTOPLASMA I (2008)
Nomes, nomes, nomes, quantos nomes
me passam pela rua ser ter rostos!
E quantos rostos repassam-me desgostos,
por serem rostos que não têm mais nomes.
Quantos rostos se escondem sob nomes
escritos nessas lápides, expostos
à luz do sol, os nomes pressupostos
daqueles rostos consumidos pelas fomes
de males e doenças... Quantos comes,
oh vida, irmã da morte, depois postos
nos ataúdes enfiados em gavetas!...
Quantos rostos recordo que me somes,
perdidos pelos nichos mal dispostos,
em tristes nomes de paixões secretas!
ECTOPLASMA II (30 JUN 11)
Que nomes têm, afinal, esses fantasmas
que perambulam, sem nome, pelas ruas?
Seres astrais somente ou almas nuas,
perante cujo frio tu mesmo pasmas?
Que nomes têm, afinal, quando te orgasmas,
essas imagens fesceninas, cruas,
as tuas súcubos vagando sob as luas,
filhas geradas à luz de teus miasmas?
Que nomes têm, afinal, os fragmentos
de tua imaginação, correndo a mil,
horrendas coisas nas máscaras mais belas.
Que nome então darás a teus portentos,
já em seu nascer com aspecto senil,
alimentados pela luz de quatro velas?
ECTOPLASMA III
Sombras sem nome e sem sequer ter face,
que avistas pelas ruas da cidade...
Nem pensam sombras serem, na verdade,
os infelizes por quem tua sombra passe.
Andas nas ruas e deixas te ultrapasse
tanta sombra felina e sem saudade...
Que te atravessa na obscuridade,
sem que concreto seja o seu repasse.
E de onde vêm os seres da neblina?
Vieram realmente de outras vidas
ou são somente ectoplasma vomitado?
Que cruzam, sem pensar, pela tua sina,
mil imagens de si desiludidas,
ainda a vagar pelas ruas do passado...
ECTOPLASMA IV
Rostos sem nome são, porém concretos,
que por ti passam com indiferença...
Nenhum rosto ser sombra de si pensa,
nomes conservam desde que eram fetos.
E como o nome se prende a seus afetos!
Pobres das almas que perderam crença
e andam por aí, sua mente tensa,
enquanto ambulam na busca de seus tetos,
que dão abrigo aos rostos, mas os nomes
não passam de etiquetas transitórias,
destinados ao total esquecimento...
Porque a lembrança dos nomes que lhes tomes
não lhes preservam sequer essas histórias
que desfiaram na meada de um momento.
ECTOPLASMA V
E te dás conta da responsabilidade
que tens por esses rostos indecisos?
Fazem parte de ti, prantos e risos,
depois que os viste em tal realidade.
Porque os reflexos da visibilidade
sugaste para ti, esgar, sorrisos...
Eles se foram, mas momentos indivisos
gravados são em ti, desde essa idade
em que tiveste olhos para ver
que o mundo inteiro não te pertencia,
mas que te moves num oceano de memórias,
deixadas após si, sem as reter,
por tanta gente que só então vivia
e já encerraram cem vidas inglórias...
ECTOPLASMA VI
Não são os mortos que te assombram tanto,
mas devoraste, de passagem, seus reflexos
e nunca dos novelos desses nexos
conseguirás te libertar, portanto...
Lá estão eles, nas dobras de teu manto,
nomes sem rostos, rostos sem ter sexos,
guardados de tua alma nos amplexos...
Outros de ti guardaram todo o pranto.
E assim, por essas ruas enevoadas,
a ti mesmo te projetas em mil nadas,
que só podiam viver dentro de ti.
E que nome então darás às revoadas
dos teus fantasmas, a pairar aqui,
até que sejam tuas memórias dispersadas?
SUBSERVIÊNCIA I (2008)
Expus os meus segredos à luz de cada estrela,
verdes, azuis, laranjas, em seu piscar discreto.
Guardaram para mim o sonho meu secreto,
sorrisos devolvendo a cada mulher bela.
Espelhos ou estrelas e a luz de Cinderela
refletem-se em abóbora, num ardiloso afeto,
enquanto a Má Rainha, ao espelho mais dileto
repete sua pergunta em sorriso que congela.
Congelados assim teus sorrisos e os meus,
é o brilho das estrelas que te ilumina a face
e as rugas suaviza, profundas, da ilusão.
E nesses telescópios, os traços que são teus
eu vejo iluminados e tal beleza nasce
da vida desse amor que tens no coração.
SUBSERVIÊNCIA II (1º julho 2011)
Que importa se esse amor não se dirige a mim?
O amor, seja por quem, toda mulher transforma:
o seu olhar reluz e a face se conforma,
em fruta rosicler, que se deseja assim...
Porque é o amor de dentro que lhe dá essa forma:
o gosto de baunilha e o cheiro de alecrim,
a doçura dos lábios e a língua carmesim,
que até a menos linda em formosura torna...
Porque, bem lá no fundo, não existe mulher feia.
Há traços de beleza na velha e na enrugada;
há traços de ternura na menina mal formada...
E vejo essa atração na mulher que mais receia,
por falta de atrativos, ser sempre desprezada,
mas guarda nos cabelos o rocio da madrugada.
SUBSERVIÊNCIA III
E vejo em tais sorrisos os sonhos mais secretos
e muito especialmente nos sorrisos indecisos,
só erguendo comissuras, disfarces mais altivos,
pois só seu desapontos esperam ser concretos...
Então, lábios apertam, negados seus afetos
e as rugas de expressão afundam os seus crivos,
nesses sorrisos velhos, de todo amor esquivos,
sem nunca confessar quereres mais diletos...
E vejo ainda beleza nos sorrisos invertidos,
embora entrelaçada permeio à sua amargura,
nessas pernas de aranha que ao queixo se desenham
ou convexos sorrisos, em tais lábios sofridos,
na dura convicção de transportar feiúra,
esquecidas da beleza que os corações contenham.
SUBSERVIÊNCIA IV
Porque essas mil mulheres que hoje se acham feias
se escravizaram tanto à própria subserviência,
que à busca da beleza não mostram mais paciência
e as rugas se aprofundam em numerosas teias...
E as faces se rendilham, igual como receias,
a pôr de lado o bem, em tal incontinência,
ferinas as suas línguas, feroz a penitência
imposta por si mesmas, castelares suas ameias...
E contudo, ainda existe certo fulgor no espelho,
que as pode reviver em mágico condão,
nesse fatal momento de estranha lucidez,
que a Terra já percorre desde que o mundo é velho
e no entanto se renova, a cada geração,
a cada vez que geram, em nova gravidez!...
SUBSERVIÊNCIA V
Pondo de lado, entanto, o pendor do romantismo,
o fato permanece que vejo em cada olhar,
em cada boca amarga, em cada frio esgar,
essa beleza esquiva do puro saudosismo...
Pois que, sem mais buscar o amor do realismo,
arrombo os calabouços e posso penetrar,
num toque que lianas, num beijo singular,
a surda invocação do pleno mesmerismo
do que podia ter sido, se apenas a mulher
que se imagina feia, que se esqueceu ser bela,
de amor correspondido então se iluminasse.
E que pudesse assim, de inseminador qualquer,
encher-se novamente de seu fulgor de estrela,
em que sua gravidez ao mundo se estampasse...
SUBSERVIÊNCIA VI
E neste meu mister, também sou subserviente
a cada outra mulher que cruza por meus passos.
Não me posso furtar a imaginar abraços
de perdição total, de amor incandescente...
Contudo, essa paixão, na mente tão frequente,
não busca assim transpor a linha dos espaços.
Só quer é se iludir, na gama dos compassos:
falar de amor perdido, cantar de amor latente...
Por isso me é tão fácil divisar essa beleza,
ocultada às mulheres perante os próprios olhos:
a cada novo amor, um toque do intangível...
Que me revela assim quão firme é essa incerteza,
de penetrar das almas os mais fundos refolhos,
tão só para sonhar o orgasmo do impossível...