SIMULACROS 1-12
SIMULACROS I
Não vivemos isolados neste mundo;
nossas ações sempre trazem consequências:
modificamos os palcos, as sequências
e até afetamos o caráter mais profundo
daqueles que nos cercam, dependendo
da intensidade com que os confrontamos
ou do perjúrio com que os influenciamos
a reagir perante nós, podendo
deste modo influenciar até o cenário
em que estamos inseridos; avatares
somos nós todos, feitos similares
a todas as ações que executamos;
e assim vemos nos rostos o fadário
do passado virtual que vivenciamos.
SIMULACROS II
Quer na vida real, quer na virtual,
todos somos simulacros, sem motivo:
avatares os 'bots, nunca o vivo
ser material em seu sofrer real;
neste viver apenas contextual,
desfeito em pixels, como um ser votivo,
cortado em bits, apenas redivivo
sobre uma tela sem pendor carnal;
portanto, evita a tua fotografia
espalhar pelos ares, pela rede,
no elástico esticar de um telefone;
ou mais ainda, na antena que esfuzia
e via satélite a espalha e ao mundo cede,
na irrealidade de um implante em silicone!
SIMULACROS III
Saio em busca dos fantasmas,
simulacros do passado:
são sessenta, lado a lado,
mais os cinco em que me pasmas.
Nessa tua ausência, me espasmas,
testemunha do pecado,
só na intenção alcançado,
no assombro que não me orgasmas.
Nessa tua ausência te esperam
sessenta e cinco fantasmas,
no plasma dos embaraços...
Teus próprios fantasmas geram,
na multidão das missivas,
sem encontrar teus abraços...
SIMULACROS IV
Eu me lanço pela rede, espatifado,
cacos de mim flutuam na alvorada,
outros se perdem pela madrugada,
sou apenas estruturas, digitado
em pixels e bytes, desventrado,
nem sequer uma película prateada.
Quem me reconstituirá noutra jornada,
ou ficarei para sempre desfocado?
porém sou luz a nível eletrônico,
são fractais de mim mesmo que te envio,
apenas quanta pálidos de gelo.
Talvez me possa refazer biônico:
fantasma feito de meu próprio cio,
intangível e ausente de desvelo...
SIMULACROS V
É por isso que hoje envio para ti
retalhos de mim mesmo, em vã poesia:
frangalhos que deixei na penedia,
remisso dom de tudo o que senti,
pois cada verso que te remeti
foi parte de meu ser, em salmodia:
destarte em ti lancei a minha folia,
na escada sem degraus que percorri,
incapaz de tocar-te dentro ao peito,
apenas sons vazios, quais filigranas:
manchas d'água só visíveis contra a luz,
sem que tivesse, afinal, qualquer direito,
porque no amor a mim jamais te irmanas
e em teu sorriso o carinho se reduz...
SIMULACROS VI
Lançado contra ti, me reproduzo
em mil cópias de mim, as quais despertam
em outros corações sonhos que alertam
desejos de um fugaz amor escuso.
De certo modo, assim eu me introduzo
em outros pensamentos, que me abertam
acesso aos sentimentos em que invertam
a minha paixão qual fio do próprio fuso.
Já me ocorreu assim que até pensassem
serem versos de amor que dirigia
por minha fome de lhes possuir o seio.
Eram versos de amor, mas que se alçassem
para outro coração, que nem sabia
até que ponto alcançava o meu anseio.
SIMULACROS VII
As máscaras de cera que mostramos
àqueles que nos veem, têm geralmente
a mesma construção intransigente
das máscaras mortuárias; copiamos
conjuntos de feições e as empregamos
perante o mundo, numa tal tangente;
algo trazem de nós, mas é imprudente
pensar que representam quem amamos.
Pois todas essas máscaras de mel
roubado das abelhas, contrastante
com a fluidez real dos sentimentos,
nos ajudam a ocultar o nosso fel,
que só aflora no perigoso instante
em que enfrentamos os próprios pensamentos.
SIMULACROS VIII
A máscara mostrada pelo espelho,
simulacro que a nós mesmos revelamos,
não é o nosso rosto, que mostramos
nem sequer a nós mesmos; sonho velho
que perpetramos sempre, talho e relho
a nos pôr no caminho que trilhamos,
por mais que todos nós, seres humanos,
preferíssemos seguir outro conselho.
Enganamos a nós mesmos, diariamente,
na ânsia vã de aos outros enganar,
na busca triste da melhor imagem...
Para que a lida da impressão frequente,
a nós mesmos nos faça acreditar
que somos a ilusão dessa miragem...
SIMULACROS IX
Mas se mostrarmos simulacros para nós,
sempre há o perigo, que ao retirar do pano,
o que esteja por trás seja um vazio,
por termos esquecido do que somos.
E a máscara se torne, em viva voz,
a gravação perene desse engano:
não sou mais eu, sou apenas o que crio;
quais fantasmas ignotos nos impomos.
Ao sairmos qualquer vez, durante o sono,
quando deitados, nossos rostos nus,
ao retornar, nem nós os conhecemos.
E fica o rosto assim, nesse abandono,
cadáver respirando, em pobre luz,
enquanto espectros reais nos tornaremos.
SIMULACROS X
SE SIMULACRO BEM NO FUNDO É AMOR,
OU, PELO MENOS, AMOR MAIS ALTRUISTA,
APENAS O DISFARCE ENTÃO É EGOISTA,
POIS VALORAMOS NA VERDADE O PRÓPRIO-AMOR.
TODOS FAREMOS, PORTANTO, BEM MELHOR
EM ASSUMIR O AMOR DESSA CONQUISTA,
E PROJETAR O AMOR, AMOR FASCISTA,
NUMA DOMINAÇÃO DE INTENSO ARDOR...
PORQUE NO FUNDO, QUEM AMAMOS NÓS QUEREMOS
SÓ PARA NÓS E PARA O PRÓPRIO BEM
OU, PELO MENOS, PARA O AUTO-PERDÃO.
E AQUI VAI O SACRIFÍCIO QUE FAZEMOS
AO DAR AOS OUTROS, SEM QUE NOS DEEM TAMBÉM,
NA BUSCA INÚTIL DA PRÓPRIA APROVAÇÃO.
SIMULACROS XI
Serei sincero em todas as mentiras
e revelado em minhas falsidades.
Só não confies, se disser verdades,
pois são os simulacros que me tiras.
E quanto à noite, se no leito viras,
lá estou eu, tolhido em liberdades.
Imaculado em mil iniquidades,
fielmente apegado ao que suspiras...
Nesses reflexos que te trouxe o vento,
fantasmas intangíveis e concretos,
tornei-me parte de teu pensamento.
Serei sonho e carícia em dons secretos,
na mais sincera explosão do sentimento
que foi soma integral de teus afetos...
SIMULACROS XII
Deste modo, o simulacro enviarei
pelas ondas do vento, desnudado
de toda a pretensão de meu passado:
com meu fantasma, eu mesmo partirei.
A teus ouvidos, de leve, chegarei,
murmurando mentiras, sem cuidado,
sussurrando verdades, apressado,
e apenas em cochichos te amarei.
Mal saberás que estou ali, minha bela,
irás pensar que livre permaneces,
porém eu estarei dentro de ti:
na verdade e na mentira da procela,
parte integral de maldições e preces,
pois nestes simulacros te envolvi.