METASSONETOS 1-12
METASSONETO I (2007)
Bem lá no fundo, eu sou um pretensioso!
Falar de amor, que coisa mais antiga!
Batida e repetida... Tanto auriga
já conduziu o carro portentoso
dos formosos poemas de um famoso
conjunto de poetas, grande liga,
a que aspirar não possa a fraca giga
do meu cantar de laurel mais desairoso...
Nada tenho a dizer que seja novo
e mesmo assim me atrevo! Coisa estranha
é que não veja plágio em meus pastichos...
Quem sabe eu seja deles o renovo,
e falem por meus dedos, longa manha,
nestes sonetos que brotam em esguichos!
METASSONETO II
Que os traços de teu rosto se desfaçam,
bem lentamente, nas sombras da memória,
até perdidos se acharem entre a escória
dos mil rostos comuns que por mim passam...
Que, de repente, as lembranças se refaçam
e explodam à minha vista, numa glória,
recobrindo esses mil rostos sem história,
em fogos de artifício e assim renasçam...
E que a intenção de lançar ao esquecimento
tudo que herdei de ti, feito mortalha
de linho, requintada em sal e mel,
se esfaça mais depressa em tal momento,
nesse presságio que a mente quase talha:
que a manticora renasceu em Argel...
METASSONETO III
Não te respondo e nem sequer te leio,
ando vazio de cartas. Só traduzo
e nem sequer meus livros mais conduzo
para meu leito, nas noites que incendeio.
Quando me deito, já madrugada ao meio,
logo me apago e os livros são escuso
monte de brasas alheias, cujo uso
deixou de ter valor nesse entremeio.
Apenas deito e apago, da obra exausto,
e nem tento pensar, sentir ao vento
os teus sussurros, que a mente nem escute.
Meus sonhos consumi em holocausto
e meus ideais queimei em fogo lento,
vendo os pinguins passeando em Beirute.
METASSONETO IV
As falenas se esboroam no pavio
e se contorcem, em fumo de fedor.
Suas carnes brancas fazem-se negror,
insetos mortos no calor do estio.
E as mariposas preparam-se, no cio,
a voejar nas brumas do vapor.
Asas queimadas na poeira do estertor,
pilhas de corpos em galões sem brio.
E os homens e mulheres se amontoam,
no ritmo alucinante de tambores,
e vão tombando ao longo dessa trilha...
Seus ossos são as flautas com que entoam
a melopéia da falsidão de amores...
(mas o Cristo Redentor é Maravilha!)
METASSONETO V
O que me sinto agora é anestesiado:
algo me impele a te evitar. Em breve,
bem sei que partirás... Ou partirei, de leve,
para afundar-me nas nuvens, atordoado.
Queria que estivesses a meu lado,
mas quase nunca estás e isto não deve
abafar meu desejo, como a neve...
Mas se não posso ter o anseio alado,
melhor é esquecer completamente,
pensar em outros tipos de paixão,
como a Filatelia ou o Carnaval...
E assim seria, se eu fosse igual à gente,
mas sou diverso, refugiado na emoção
de que a geada ainda cai em Portugal.
METASSONETO VI
Há momentos de recesso, outros de assédio;
em instantes, se aprisiona a energia,
noutros se solta e pura se extravasa...
Há momentos de paz e outros de tédio.
Há períodos em que é pura a melodia
de meu sonhar contigo; ou então a vasa
me recobre em parcial, total, ou médio
sepultar do interesse e da vigia...
Agora, estou assim... A força brota,
mas não anseio mais pelo teu beijo,
apenas a epopeia me impulsiona...
Escrevo versos ocos, bem se nota,
mas de outras ocasiões busco o ensejo,
em que plantar orquídeas no Arizona...
METASSONETO VII
E quem sabe se retorno hoje a mim mesmo?
Estive ausente, só os deuses sabem quanto!
Dentes cerrados, dominando o pranto,
cortadas emoções, girando a esmo...
Ao serviço dos outros, neste abismo
de solicitações disparatadas,
que sempre atendo, esses pequenos nadas...
E enquanto atendo, nem sequer eu cismo...
E continuo nesse vezo alvissareiro,
de me entregar inerme ao surrealismo,
como um inseto a que cortam as antenas...
Carrasco de mim mesmo, pegureiro
sobre os abismos, a ver em romantismo
esses leões que passeiam por Atenas...
METASSONETO VIII
Que levaria uma pessoa a me contar
que encontrou no presente quem me amou,
numa paixão que jamais se realizou,
pois no passado não a soube contemplar?
Nem quis saber-lhe o nome. Repassar
as folhas mortas que o passo já esmagou,
toda essa espuma que no ar já se esfumou,
é um exercício apenas, de enredar
o homem que já fui e não sou mais
e a mulher que só foi sombra fugidia
nas geleiras e nos gêiseres da Islândia...
Que permaneça no limbo do jamais,
se nem sequer a avistei... Foi nesse dia
em que os tigres encontrei na Groenlândia...
METASSONETO IX
Pois é assim que marcha a vida... Desventuras
por todos os lugares... Fracas dores,
frágeis paixões... Formosos estertores
de que registro aqui os desencontros...
Que ilusão eu fosse... É lisonjeiro...
Mas será que a ilusão foi de mim mesmo
ou de um fantasma conjecturado a esmo
e que somente existiu no derradeiro
laivo de afeto por outro amor perdido?
Compensação que nunca lhe darei,
pois nada tenho a lhe pagar assim...
Nem foi amor... Foi um sonho despedido
sem assinar carteira... E o mandarei
pentear macacos nas ruas de Berlim...
METASSONETO X
O passado nunca morre, quando existe,
mas meu passado é um e o dela é outro:
vivi num universo e ela noutro,
coisa real, pareça embora triste...
E o pior é se a informante insiste
em me contar o nome, movida doutro
impulso mais voraz do que est'outro,
nem lembrarei, que a memória não me assiste...
Nas circunstâncias descritas, certamente,
essa mulher não faz parte da elegia,
da pavana ou cantilena do que fiz...
Teve sua vida, como eu, impenitente
e nem a percebi... Foi decerto nalgum dia
em que fui ver girafas em Paris...
METASSONETO XI
Perder o que se teve é coisa fácil;
mas mais difícil é perder o que não tive,
como perdê-la, se nos braços não estive
dessa mulher descrita como grácil?...
Mas como é instigante a alternativa,
de um mundo paralelo, em que eu existo
e em conservar seu amor assim insisto
por meu carinho e terna iniciativa!...
Sabe-se lá... Nos mundos alternados,
tudo acontece. Até mulher eu sou
ou nem sequer fui de um ventre retirado.
São coletivas as dores dos passados
por que cada duplo meu assim passou
ou só criamos avestruzes lá em Belgrado?
METASSONETO XII
Existem hoje em dia, nas floristas,
cortadoras de espinhos das roseiras...
Fazem buquês como malabaristas,
envoltos em folhagens pelas beiras...
E nesses ramalhetes, dão certeiras
alçadas de suas fitas, cores mistas...
Mas os espinhos não ferem nossas vistas,
que nem sempre enxergam coisas verdadeiras...
Só que eu não soube cortar os seus espinhos,
ainda que fosse ternamente rosa,
não furei dedos e nem o olhar assim...
Mas em suas flores pousam passarinhos:
sei que sua alma, ainda suave e perfumosa,
vive em Marrocos, no palácio de Aladdim...