TESTAMENTO

Quem se habilita?

Deixo um rascunho de poesia

impublicável

uma viagem de automóvel na garagem,

sem guia

uma ilha sem água

e uma espada

cravada no coração

deixo um dia que esqueci

de viver

um rio que não atravessei

(covardia)

uma trilha na mata

que meus passos não viu

uma ideia livre no cio

pronta para engravidar

um pouco de impureza no ar

(para ser filtrada)

uma estrada sem fim

(para ser trilhada)

falta de gasolina em um motor

no cofre, sem chave

está uma nave sem rumo

escondida no vazio

uma noite insone

um pedaço de sonho

(este solto ao vento, que também

é da herança)

e umas marcas registradas

da areia

protegidas das traças

por umas teias de aranha

não deixo nada concreto:

das ideias, uns restos;

sobras da memória gasta

uns sinais de cansaço

um suor, sabor de sangue

feito do mormaço do dia

uma luz que não deu cria

talvez queimada

um desejo na madrugada

que não teve água para germinar

e um grão que não vingou

na mente

não fica nada de gente

há semente para a colheita

INALDO TENÓRIO DE MOURA CAVALCANTI
Enviado por INALDO TENÓRIO DE MOURA CAVALCANTI em 22/05/2011
Código do texto: T2985221