Ode ao Mundo

I

Ponto

Onde toda história tem começo

Num só ponto.

Uma história

É igual a um

Monte

De pontos

Desordenadamente

Diferentes.

II

Não tenho olhos ou olhar

Ou não tenho ouvidos

Ou não tenho amigos?

Carrego o sobrepeso

Desta incansável dieta

O peso sobressalente

Do peso sobrevalente

Mundo

Saida das minhas costas!

A mim não me pertences

Com toda sua extensão

E todo o seu mundo.

III

Quando Cabral descobriu

Sozinho as terras distantes de além mar

A sua descoberta marcou

Ponto.

A história de Cabral

Não é a minha história.

Mundo vá viver a sua vida

E saia do meu carro de carga

Que comprei

Em liquidação

De carregar o meu sobrepeso.

IV

Entenda, mundo!

Deixa eu sorrir meu sorriso

E chorar o meu choro

Mundo...

Cheirar alecrim

E sem perder a sanidade

Querer que seja o bicarbonato

Mas com nome de sal de praia

E sabor de areia de conetelação.

V

Estrelas, estrelinhas

Contem nossos sonhos

Sem contermos

Novas estrelas

Que não seja o planeta

Necessário de ser mundo

E que ele escolha ter sua própria Alma

Mundo!

VI

Morro para a plena libertação.

Quão invejosos ainda seremos

Dos mortos.

Eles não cumpriram os seus papéis

Nós cumprimos os seus papéis.

Lhes demos um céu

E um inferno

E uma sepultura

Com lápide e cruz

Ou sem nada.

Mas dela não teremos controle

Pois a sua própria sorte faz a morte

Sorteia seus pontos...

E este ponto

Do não ser e do não existir

E cujos verbos após este

Desconhecemos

Não nos dá queixa

Deixemos os mortos morrerem

Mundo!

Não pisamos em beleza

Pisamos em cemitérios

E comerciamos os restos milenares

De nossos mortos

E com mortos financiamos a vida.

VII

Todo medo que temos

É o medo da escuridão

E toda a luz de esperança

É um desejo por iluminação.

VIII

Mundo, cretino

Desavergonhado!

Que seja seu

Apenas aquilo

Que é do homem.

Esta tua geografia turbulenta

Que com um orgasmo

O riso transforma-se em pranto.

IX

Nós só negamos, mundo

O que não queremos entender

E se não faz-se luz diante dos fatos

Não há fato de existir.

X

Meta a física

Fora da poesia

Pulam corações de homens

E de mulheres

Todos estes animais

Que se chamam poesias.

E pouco importa como começou

O nascimento novo é

O novo nascimento

Por isso pare o trem.

Por isso pularei do trem

E serei a minha própria poesia!

XI

Me deixa aqui

Mundo!

Não separe de mim

O que mim não separa.

XII

Quantos olhos podres

Podres de tanto olhar

Olham para o céu

Sem que possam ver um mar?

O peixe no céu?

Peixes podem voar.

Oh anjos do céu,

Como anseio por vossas trombetas.

Sempre que se abrem as nuvens no céu

E o Sol radiante queima-me o deserto

Meu coração se angustia

E devoro pedras

Querendo-as serem pães

Para adoecer e apodrecer

Parecer até o novo nascimento.

XIII

Quantos olhos podres

Podres de tanto olhar

Olham para o mar

E só conseguem ver o mar?

XIV

Quantos lençóis podres

Podres de tanto amar

Embolam-se pelo chão...

XV

Amor não vá

Porquanto o mundo aí está

De braços abertos para te levar

Não vá amor

Não vá!

XVI

Este corpo intenso

Teus braços fortes

Teus seios rijos

Tuas pernas fortes

O mundo aí está

Meu coração está podre

E meus olhos ardem por pedir

Amor,

Não vá amor,

Não vá!

XVII

Quando marquei um ponto em meu coração

Pensei que meu amor fosse voltar

Voltou Cabral

Caminha

Camões

Camorras

Mas meu amor não voltou

Neste mundo novo mundo.

XVIII

E estas palavras todas a quê?

A fim de livrar-me

Destas enxaquecas

Destes gestos cancerígenos

Destes ohs e ahs embalados

Por drinks baratos

E fumaças de cigarros?

Para soltar os arreios

Deste mundo que carrego

Voluntariamente?

XIX

Encontrei um grande pasto

Para descansar

Tem mato verdinho

O vento é fresco, vacilante

Tem árvorezinha

Aqui e ali

Tem boi e tem vaquinha

Aqui e ali

Mas ai!

É fruto da imaginação.

XX

Encontrei um grande fruto

Para alimentar.

Sua casca é vermelha

O perfume é inebriante

Tem pequenas manchinhas

Aqui e ali

Tem polpa macia

Aqui e ali

Mas não tenho mãos

Para alcançar.

XXI

O grande peregrino

Um dia me ensinou

Se está frio

Se está escuro

Procure a luz

Mesmo no obscuro

Lá chegando encontrará um homem bom

Derramando de um cântaro

Água no chão

E lavará teus pés

E lavará tuas feridas

E terás roupas frescas

E um pasto verde

Para descansar

E uma fruta madura

Para comer.

Disso nada sei

Mas se a ciência me dá certeza do mundo melhor

Quero o meu abraço

Provado por cálculos matemáticos

Quero as matrizes

Dos meus amigos desaparecidos

Quero uma ciência

Que me alivie a solidão

Querem matar o peregrino

Mas não querem me dar o abraço.

Onde está a ciência

Para curar os males

Do pensamento brilhante de Schopenhauer

E das enfermidades de Nietzsche?

XXII

Nada

É a ciência dos cegos

E para estes não há braile.

Baile?

Ah, poeta previsível

Mas que posso eu fazer

Se os cegos dançam

Ao som de qualquer música possível?

XXIII

Pai e Filho, Santo Espírito.

Homem e Mulher, Criança.

Altura e Comprimento, Profundidade.

Futuro e Passado, Presentes.

Céu e Inferno, Etern'idade.

Esquerdo e Direito

E o olho terceiro

Mirando num ponto

De partida para o novo mundo.

XXIV

As palavras saem de mim

Como sai também

O ar da respiração.

Não aprendi a respirar na escola

Não sou de série de fábrica

Não aguardo milagres vindos dos céus.

Uma vida

Deus me deu

Antes de deitar no seu berço divino

E virar de novo

Um ingênuo menino.

XXV

Quando Cabral desceu de seu barco

Seu berço de velas o aguardava voltar

E virou de novo menino

Ainda que já soubesse

Aquela história que já tinham lhe contado.

XXVI

Deus deu as terras

O pai plantou a semente

A mãe colheu o fruto.

Se os ventos quebram o galho do alecrim

Que caia na praia

Que vire outro mato

Mas que nunca poderá ser

É de fazer o alecrim ser gato

Ou ser gato o querubim

Ou o querubim ser prato

De um prato feito de alecrins.

Semente de Alecrim

Feixe de Alecrim

Alecrim no céu

Alecrim na terra

Alecrim no céu.

XXVII

Caminha o peregrino na terra

Não a terra que caminha no peregrino

O menino que faz a guerra

Não a guerra que faz o menino.

XXVIII

Para ser verbo

Viver é preciso

O peixe que nada no mar

A ave que voa no ar

Não o mar que no peixe mareia

Não o ar que na ave areia.

No domínio do entretanto

É coisa que voa

É coisa que coisa

É coisa coisa coisa

Coisa coisa coisa coisa

..... ..... ..... .....

Nossas idéias prevalecem

No mundo que é só nosso

Não das coisas

Não dos peixes

Não das aves

Dos homens

Nosso apenas

Feito de pontos

De coisas.

XXIX

Parei um pouco

E no pasto em que descansava

Botaram ali uma cidade

Temperada a pitadas de homens

Com sabor de homens

Cheiro de homens.

Já estava satisfeito da refeição

Mas o garçom insistia em oferecer

Um prato de alecrins

Um prato de aves

E um prato

De peixes voadores

Num local invisível

Onde mal sabia

Existir um restaurante.

XXX

Nadei certa vez num lago,

Num charco de espelhos.

Paguei os mangos pela engrenagem

E vi meu reflexo do Bonaparte

Jorrando discursos

De um Édipo desesperado.

XXXI

Fui meu próprio Jesus

Mas o mundo

Meu próprio Paulo

De Tarso.

XXXII

Abaporu Tarsila

Abaporu!

Mas não pinte de verdade

Aquilo que em constância sente

Por tal vil Modernidade.

A tinta está em tuas mãos

Não em nosso sangue

Voilá a fórmula

Inconformada

De um plano não cartesiano

Que resulta na operação:

Vi pasto imenso

De folhas queimadas

De fumaça de fogueira

Com entusiasmo da destruição

Cheio de homens e mulherzinhas

Aqui e ali

Ai, era fruto da reação

O real está no toque

O toque está na mão.

XXXIII

Depois de alecrim, peixe e ave

Trouxeram-me o cardápio

Das teses científicas.

- Estou satisfeito, eu disse

- Sobremesa, replicou

Estou farto.

XXXIV

No vale das Astúrias

Uma moça de saia vermelha

Aguarda os ventos do horizonte

Trazer notícias de seu amor.

Uma ave milionária

Deixou cair do céu

O anjo de sua esperança:

Mundo, por que foste, mundo

Deixar tamanha crueldade

Levar para longe para si

O pouco da minha alegria?

A memória se deturpa, se esquece

Mas no jornal impresso o nome

Seu amor não esqueceria.

XXXV

Ingênua criação

Por uma razão óbvia.

Nas profundezas da caverna

Entro só.

A caverna, já está fora

Não dentro.

XXXVI

A luz não acende

Apaga

O fogo não esquenta

Esfria

E do mais essencial que me pertencia

Já não sou mais o guia.

XXXVII

Os peixes voam

As aves nadam

Os homens dormem.

XXXVIII

As terras em suas caravelas

Viajam para homens distantes

As pinturas em suas telas

Contaram ao horizonte

Qua havia casaizinhos ali

Riram aos montes

Que até agora não se percebeu.

XXXIX

Cai uma estrela cadente

Faço um pedido

Cairá um dia um homem

As estrelas nada pedirão.

XL

Posso sentir à distância

O cheiro da mudança dos ventos

Ele monta uma torre

O vento vai pro Ocidente

Ele derruba uma torre

O vento para o Oriente

Ele faz o alarde de si mesmo

O vento torna a Ocidentar

Ele mata o homem

O vento volta a Orientar

Causando um tráfego confuso

De barcos a vela.

XLI

Bem aventurados são aqueles

Que preferem nadar

Aos barcos de vela

Bem aventurados são os desgraçados

Na perdição de sua própria caverna.

XLII

E nas passarelas, senhores:

Homens, mais homens!

Homens de ternos e sobrecasacas

Homens sob seus chapéus

Homens de saias e vestidos

Homens de espartilhos

Homens de bermudas

Todos eles usam suas peles.

XLIII

Há duas trilhas para Jerusalém

Ambos chegam até Jerusalém

Debaixo do mesmo céu

No meio do caminho

Um se alimenta de peixes

Outros de aves

Marcando a diferença essencial

Entre os homens.

XLIV

Preso mesmo em liberdade

Cada passo novo é um passo em direção à tumba

Pois não há nada mais só do que morrer sozinho.

Em minha lápide não marquem mais do que

Esteve aqui, descobriu as terras de além mar

Mas não passou além de ser um ponto.

E com um ponto

Termina-se uma história.

Ponto.

Matheus Vieira
Enviado por Matheus Vieira em 18/05/2011
Código do texto: T2977076
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.