Me vesti de ninguém
a rua estava vazia
e não havia nenhum alguém
pra constatar este fato
Um cão vadio passou indiferente
uma janela se fechou
uma menina corria distraída
uma pedra esfolou meu sapato
E então eu soube que já era
ninguém mesmo antes
de resolver mostrar isso ao mundo
que este também já estava cego e surdo
e diante de multidões atarantadas
todos somos ninguéns cobertos
de roupas e de medos e de dúvidas
e diante de sinais fechados
somos patéticos bonecos
nas filas, seres calados
na noite, animais sufocados
de pés frios
e mãos vazias
(agarradas ao travesseiro)
Ainda assim
Procurei por toda a casa
revirei bolsos, abri a caixa de guardados
reli velhos emails, cartas, documentos
e em lugar algum de tudo que havia
me achei...
Então corri para a rua e gritei meu nome
Em algum lugar o eco me respondeu:
O que estás a buscar, criatura
se és tu quem de ti te escondes
pra não sucumbir?!
Por que gritas a chamar por este nome?
Por que gritas por ti, oh desalmada?
Não vês que és tu mesma
és tu somente
aquela que te consome?!
" Bom que venhas assim,
cravando tuas unhas na realidade,
de modo que não passes como a borboleta timida
que se deixou ao casulo, quase um vegetal,
mas do teu modo és a leoa que bem poderia ter devorado o Rei mas não o fez,
ainda, não o fez !"
Marconi de Barros
( e tão bom ser reconstruída e idealizados pela interpretação de tal sensibilidade de poeta! )
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Este poema eu dedico a minha xará
Tania Meneses pois, ao ter escrito, reli e lembrei dela no mesmo instante, e isso é sim um fato, que tudo que escrevemos resulta de tudo que lemos e não raro a gente, terminado o poema, tenha a percepção de que ele nasce de uma única e universal fonte cujas águas silenciosas alcançam as nossas mais profundas cordas sensíveis.