EXPULSÃO DO PARAÍSO

Ainda protótipos do que seremos -

nem conjunção de gametas,

apenas célula solitária -

e já temos como destino

ao som de qualquer ária

sob o signo do desatino:

a expulsão do Paraíso!

Mas antes que isso ocorra

iremos ser tratados

como nunca mais o seremos

em qualquer outro lugar.

Como um montinho de células

ainda sem definição

iremos progredindo

para um ser em formação.

O útero é este Paraíso da

existência humana.

É um salão enorme

acarpetado de carmim,

onde veias e arteríolas finas,

fofas e frescas formarão

tapete de aconchego pra gente.

Músculos vigorosos

formarão forte muralha a nos proteger.

Ausência de luz!

Ruídos? Só os suaves e naturais:

expressão do funcionamento do Ser.

E a gente ali recém-chegado;

aconchegado!

Pode-se virar para qualquer lado.

O lugar que se escolher

sempre terá algo para oferecer

além do conforto:

alimentação; oxigênio;

eliminação de produtos impróprios.

Afinal, pode ser um gênio

ou pode ser simples gente.

Não importa, somos nós!

E um verdadeiro exército combate

e nem damos conta do embate

que se dá à nossa volta...

É preciso expulsar intrusos!

E a gente se acomoda -

nem se abate -,

apenas faz os devidos usos

do investimento que a vida faz na gente!

E como astrobaby ou nenénauta

a gente flutua esperanças

no útero-mãe, paraíso dos sonhos,

onde a ausência de gravidade

é apenas a risonha expectativa

da gestação da vida intra-uterina!

Ou seja, tudo foi preparado

para que o bebê se desenvolva –

e depressa – pois dele será cobrado

tributo, antes que ele resolva

ir embora antes do tempo.

É preciso que nasça:

depressa, forte e vigoroso.

É neste Paraíso que a gente cresce

e nem se dá conta disso.

E adormece...

No útero damos pernadas,

e muitas cabeçadas,

e chupamos dedos,

e nem sentimos medos,

e com certeza sorrimos desdentados

para todos os lados...

E só nossa mãe vê nossos sorrisos,

pois ela, somente ela,

tem instrumental para isso!

E a gente ali, no Paraíso,

nem quer outra vida!

E precisa?

Mas, para nossa tristeza -

e gáudio da incerteza -

antes de sermos célula,

já estava escrito na abóbada

mais celeste que a azul:

nosso Paraíso de sangue é efêmero.

Precisamos partir!

E a gente até suspeita

que o mundo cá de fora

é muito bom...

Mas, cedo se descobre que não!

Vamos descobrir o choro,

vamos ter contato com a dor,

vamos ser dilatados e até

palmadinhas experimentaremos

no bumbum...

Mas não há escolha:

se não sairmos por conta própria

hão de nos tirar de lá -

do Paraíso -,

nem que seja à força, a fórceps.

Sair é um convite da Natureza;

demorar é uma provocação.

Espontaneamente, será beleza

de outro jeito, expulsão!

A história de Adão e Eva

se repete em cada nascimento:

que tormento!

ALEX GUIMA
Enviado por ALEX GUIMA em 18/11/2006
Reeditado em 18/11/2006
Código do texto: T294577