HALLOWE'EN: JACK O'LANTERN / FALSA HAMADRÍADE / VERA HAMADRÍADE

JACK O'LANTERN I (18 FEV 11)

Entre as abóboras que foram empilhadas,

laranja e verde contra o fundo escuro,

ela destaca o seu sorriso puro,

no rosa e negro das roupas adotadas.

Os cabelos usa curtos, bem tratados,

coroa negra de caimento duro;

imaginar de onde saiu procuro

essa garota, de passos tão cuidados...

Ao ver que no seu peito traz a imagem

tradicional da bruxa na vassoura,

negror a destacar à luz do luar,

fico a pensar, em minha traquinagem,

se não foi uma abóbora, que a loura

fada, só por troça, quis tocar...

JACK O'LANTERN II

As meias são duas rosas reluzentes,

destacando de suas coxas a lisura:

é esbelta sem ser magra, partitura

de um quarteto de cordas fluorescentes...

Pois os seus passos, as fibras renitentes

deste meu coração, em sua amargura,

vibrar fizeram em toque de doçura,

qual se viessem para mim estar presentes.

Talvez fosse uma abóbora a cinderela,

que passeia indiferente a suas iguais,

mas que gentil é tal cucurbitácea!...

E ela se move, em marcha de donzela,

sem passado e sem futuro e sem jamais,

enquanto tece a teia de sua graça...

JACK O'LANTERN III

Para onde vai essa perfeita animação

de um ser humano? É puro encantamento?

Permanece a ilusão de um só momento

ou já chegou a receber um coração...?

E se ela amor fizer, em sua paixão,

poderá ser fecundada, em tal portento?

E que filhos trará o engajamento

de sua semente com a humana brotação?

E se essa moça, de fato, fosse viva

e saísse de minha tela, em harmonia,

parelha à minha tornando sua estatura?

Pois não sei qual o encanto que assim criva

essa imagem, em delicada simpatia,

nesses meandros sutis de minha loucura!

JACK O'LANTERN IV

Não a desejo, é certo. É tão graciosa,

que abóbora eu seria, perto dela...

A bruxa negra em seu peito se revela,

pois não foi fada que criou tal rosa...

Mas seu sorriso, eu sei, faria ditosa

esta minhalma, tao cheia de procela.

A doce amiga, apenas, tal donzela,

com clara pele, macia e perfumosa...

Até queria que filha minha fosse

e a beijaria em plena castidade,

sem ciúmes do homem que escolhesse...

Para dar-me outras meninas, na verdade,

pequenas rosas de sorriso doce,

para à velhice me trazer felicidade...

FALSA HAMADRÍADE I (18 FEV 11)

A hamadríade é de madeira branca...

Certo formato alguém no tronco percebeu

e o descascou. E, aos poucos, concebeu

de uma mulher completa imagem franca.

A morta árvore que tal ninfa tranca

bem facilmente, sob o escopro, concedeu

o resultado a quem dela se condoeu

e para a vida essa deidade arranca.

Ficou perfeita, em todos os detalhes:

forquilha dupla lhe desenha os braços

e os seios com mamilos se projetam.

Parte da casca foi poupada nos entalhes,

para mostrar do baixo-ventre os traços

bem femininos, que claros se intersectam.

FALSA HAMADRÍADE II

Acima das forquilhas de seus braços

se estende tronco branco e então se alarga.

O rosto se esculpiu e não se embarga

a parecença por faltar-lhe traços...

Tem lábios e nariz, tem olhos baços,

a sugerir-me uma expressão amarga...

Talvez por suportar a inteira carga

e longos galhos manter em seus abraços.

A árvore secou. Ou assim parece,

pois de verde vê-se apenas sugestão

(talvez de sua nudez seja a estação...)

e assim se alça, perdida numa prece,

exposta inerme ao olhar da multidão:

seu corpo é a cruz e dela nunca desce.

FALSA HAMADRÍADE III

Quem descascou a árvore, a matou,

provavelmente. É na casca que está a vida.

A escopro e faca abriu-se tal ferida

que seu vigor nunca mais recuperou...

Foi sua perfeição que a condenou!

Pelo formato dessa ilusão querida

foi a ninfa inicialmente percebida:

morreu do amor de quem apaixonou...

Ou, quem sabe, ela mesma ressecou

e só depois os detalhes se afirmaram.

Poderia ser só lenha de fogueira...

E foi a exibição que a preservou,

nesses entalhes, que aos poucos revelaram

a deusa aprisionada na madeira...

FALSA HAMADRÍADE IV

E assim se ergue, branca, contra o azul

e, quem sabe, um longo tempo permaneça.

Quiçá está viva ainda e talvez cresça,

preservada contra o sol e o vento sul...

Talvez a ninfa goze um tempo exul

e alguém lhe traga oferendas e até peça

algumas graças e acredite nessa

estátua, com poder capaz de expul-

sar as doenças e outros malefícios.

Talvez de sua vagina uma semente

ao solo desça e se enraíze forte...

Qual reação a todos esses vícios

que os mais grosseiros mostram, certamente,

ao contemplarem seu feminino porte.

VERA HAMADRÍADE I (19 fev 11)

Existe outra bem mais natural

erguida hoje em algum lugar da Europa;

o tronco é branco, mas é verde a copa,

porque viceja em vida vegetal.

Não recebeu um corte assim fatal,

que a natureza dessa tortura a poupa;

qualquer um a reconhece assim que topa,

qual dançarina em salto triunfal.

Estende os braços e ramifica os dedos

em variedade de ramos e raminhos

e sua cabeça se lança para trás,

talvez a sussurrar os seus segredos,

quiçá a sugerir até carinhos,

orgulhosa dessa pose que assim faz....

VERA HAMADRÍADE II

Ninguém tocou no tronco desta planta;

como hamadríade cresceu naturalmente.

Um espírito gentil se fez presente

e congelou-se em posição que encanta.

A pele é rosa e branca sob a manta

da canópia que repele o sol ardente,

verdor brilhante de vigor potente,

enquanto ao espaço soergue sua garganta.

Lança uma perna para trás em fino

e majestoso salto para o ar,

nesse balé ritual da despedida...

Sabe-se lá por que favor divino

foi transformada assim para durar

muito mais tempo do que a humana vida!

VERA HAMADRÍADE III

Ou quem sabe, essa ninfa se matasse

por força de um amor mal recebido,

que não fora por alguém correspondido

e não pudesse suportar que a desprezasse...

E assim, nessa clareira, derramasse

todo esse amor que havia concebido...

E a tal visão, um deus, compadecido,

nessa árvore virente a transformasse...

E que o vermelho sangue da donzela

em seiva branca assim se condensasse

e desse vida e forma ao seu verdor...

E o amor fervente que brotara nela

em galhos congelado rebrotasse,

como a prova final de seu amor...

VERA HAMADRÍADE IV

Talvez, à noite, quem chega na clareira

a possa ver dançando à luz do luar...

Ou, em noites mais escuras, rebrilhar,

num rodopio de luz alvissareira...

Quem sabe em salto imóvel, derradeira

demonstração da energia de valsar,

por sua hubris quis o deus a castigar

e, em vulto branco, petrificou-a inteira.

Mas eu sinto, ao contemplar sua harmonia,

um não-sei-quê que a mente me comove

e até queria de seu baile partilhar...

Talvez eu tire de uma lira a melodia

que esse tronco estremece... E assim renove

seu espírito cativo, em cintilar...

VERA HAMADRÍADE V

Mas o que ocorreria se eu, então,

fosse tocar, igual que Orfeu, a lira?

Os espíritos da noite agitaria

e escutariam minha encantação?

Despertaria Eurídice a emoção

que ao longo dessas cordas tangeria...?

E se esse olhar que sob a casca mira

se preenchesse de lágrima e paixão?

Não obstante, se nem o próprio Orfeu

trouxe Eurídice, afinal, à luz do dia,

como a hamadríade eu despertaria?

Por mais forte este amor que fosse meu,

dos caprichos de um deus dependeria,

muito mais do que minha lira desprendeu...

VERA HAMADRÍADE VI

Vamos supor, então, que um deus travesso,

buliçoso, a zombar do romantismo,

se dispusesse a executar um cataclismo,

para atender a essa graça que lhe peço...

Em meu corpo, de repente, já eu cresço,

a terra foge, qual para um abismo,

pois nem entendo qual tipo de exorcismo

causou a mutação que já nem meço!...

Ela me olha, com pupilas reluzentes

e meus braços entrelaçam seus cabelos,

mas não foi nova vida que lhe dei...

Meus dedos se alongaram, mais potentes,

e reconheço, à luz dos pesadelos,

que noutra árvore igual me transformei!...

William Lagos
Enviado por William Lagos em 25/04/2011
Código do texto: T2929314
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