DA EXISTÊNCIA METAFÍSICA

DA EXISTÊNCIA METAFÍSICA

Do Saara que o sol queima

Não há cactus que sobreviva

Das malesas que as mãos fazem

Não há comportas que estanque

Das desavenças advindas da linguagem

Não há flores que aparem as arestas

Dos delitos que cometemos

Não há moral que os revertam

Das rinhas que construímos

Não há exílios que nos absolvam

Dos mirrados meninos pelos caminhos

Na há esquife que os encerrem

Dos nômades abutres que são anjos

Não há sangue suficiente para nutri-los

Da vertigem que nos impõe a ira

Não há água que a lave

Do pensamento libertino

Transmigra a existência metafísica

Das farpas no calcanhar

Recorta-se uma cicatriz

Das tolas profecias

Urge cooperação em escolaridade

Das antenas ligadas no caso

A excelência tira vantagens

Dos rumores de miolo de cabaça

Sai um simulacro de reportagem

De como o otário dá pitaco

Pela largura do seu olho côncavo

Das moscas na favela

Um tiro que ressoa

Da piroga que desce o rio

A velha negra a contempla da janela

Dos fantasmas no cio em libertinagem

Desnuda uma zona morta no cerebelo

Da moenda que oscila à deriva

Com o tempo seu entalhe se modifica

Do canhão chamuscado de pólvora

Cintilam os cristais cor de breu

Cerra uma aragem que evapora

A paisagem viva se inflama

Na cooperação do otário

O tiro de misericórdia

A reportagem sobre a favela

No desvio dos delitos

A pedra que avança

A reza intercepta o golpe

No revés das águas

As comportas serão estanques

A foz se inunda de lama

Na terra ruem os escombros

Tornando a pegada indecifrável

Os acordes na lira rasgam a favela

No Saara arde um lume

Sopra um bafo de demônio

Que faz júbilo nos meninos de rua

No gesto que consagra

A moral que vira do avesso

O inverso das malesas

Nas rinhas dos piratas

Transbordam os esquifes

De corpos cheios de larvas

O rubro sangue escorre do rasgo na carne

E os abutres se repastam

Num límpido dia de quaresma

Na revanche das desavenças

O íntimo se mostra calmo

E despe a velha negra suas vestes

No canhão que encerra a vida

Evapora fantasmas do magma à deriva

Acasalam simulacros de meninos

(fevereiro/1990)

Aleixenko
Enviado por Aleixenko em 25/04/2011
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