GOTAS DE AÇO I-XII
(Esta série deveria ser alinhada ao meio, mas desconfigurou ao colar e não sei como arrumar salvo pela barra de espaços e vai levar muito tempo. Muda o visual, mas o texto é o mesmo. Abraços, leitor(a)!)
GOTAS DE AÇO I
não sei se dou ouvido ao som dos mortos
ou só lhes dou a voz... eu sei apenas
que não me cabe contar as açucenas
são tão pequenas
essas falenas
imagens de nenúfar e amapolas
poemas resguardados em ampolas
loucas metáforas
de terras sáfaras
que não posso falar de malmequer
porque a autocrítica não me dá sequer
a complacência
dessa impotência
de mencionar a rosa e seu espinho
pois tantos há trilhando esse caminho
e o meu não o é
perlustro até
uma senda de flores diferentes
de hemerocálides carpindo os agapantos
no jardim em que vivo mil espantos
GOTAS DE AÇO II
eu sou gaúcho mas não tomo mate
não uso pala nem sequer bombacha
na minha casa churrasco não se acha
nem há picanha
como é tamanha
a diferença em tudo quanto faço
e os costumes que me lançam ao regaço
e como posso
ir jogar osso
quando nem sei para que lado a tava
quando ganho ou se a perder estava
não tomo canha
não tenho manha
para andar a cavalo e nem charrete
sei dirigir pois no campo não se mete
quem na cidade
a mocidade
desgastou na multidão de dias vazios
não esperem de mim esse talento
de descrever um rio grande solto ao vento
GOTAS DE AÇO III
essa mania da volta à natureza
que vem sendo por tantos proclamada
é apenas um engano - a atribulada
vida da gente
foi diferente
nas cidades de nossa pré-história
na natureza a vida foi inglória
só trinta anos
de desenganos
viviam muito pouco esses humanos
de quem nós descendemos mas tiramos
de tais ambientes
nossos parentes
morriam como as aves e animais
de doenças de venenos tantos mais
motivos para morte
na pobre sorte
de quem vive em plena natureza
na busca rápida de sua reprodução
antes que morra o frágil coração
GOTAS DE AÇO IV
por isso que tua sina biológica
é viver tantos anos e não mais
foi o que transcorreu nesse jamais
terrestre paraíso
sem qualquer siso
na mesma vida cruel dos animais
que cedo morrem de causas naturais
foi na cidade
é bem verdade
que nossa vida humana já dobrou
que nosso número se multiplicou
ambiente urbano
é ambiente humano
e tudo o mais não passa de idealismo
ou desconhecimento ou de cinismo
hoje a ciência
com mais potência
os trinta anos já nos triplicou
no combate veraz da velha chaga
em que o relógio biológico se apaga
GOTAS DE AÇO V
a quem quer que possa interessar
vou repetir a velha afirmação
em que acredito sem contestação
não é a vida
uma indevida
carreira contra nosso companheiro
nem um transpor em passo derradeiro
dessa chegada
tão almejada
porque essa linha para nós é a morte
enquanto não chegar temos a sorte
de melhorar
o nosso andar
porém em relação a nós somente
mantenha sempre para si presente
que o progresso
ou que o regresso
só se medem com relação a você mesma
e ao melhorar seu próprio desempenho
não dê a mínima para alheio empenho
GOTAS DE AÇO VI
bem mais feliz ao longo de sua vida
é aquele que pouco está ligando
para o sucesso alheio, só pensando
no que pode fazer
para obter
os alvos que a si mesmo se propôs
sem se importar se alguém outros se impôs
a vida é bela
quando dentro dela
não rebrotam nem cinismo e nem inveja
mas no trabalho seu prazer esteja
como alvo em si
pois para ti
não deve ser um meio para um fim
mas teu valor a própria obra e assim
o que alcançar
tua mão alçar
para fazer faze o melhor que possas
pois não se encontra melhor satisfação
que contemplar o fim da produção
STEEL DROPS VI
much happier all along his life
is he who doesn't care a whit
for someone else's success, thinking only
on what he can do
to obtain
the goals he has set up for himself
without caring for those
anyone else has taken
life is beautiful
when into it
neither cynicism nor jealousy sprout
but in one's labor pleasure can be found
as a goal in itself
because for you
it shouldn't be a means to achieve an end
but a value set upon the very job and thus
whatever you reach
your hand to lift
when doing it do the best you can
for no better satisfaction can be found
than seeing the accomplishment of your task
GOTAS DE AÇO VII
quando eu era menino eles falavam
"o que aprendi foi na escola da vida"
somente ela quando obedecida
nos toma o pulso
nos dá o impulso
para alcançar real maturidade
é a experiência que nos dá a verdade
hoje mudaram
pois começaram
a "universidade da vida" a mencionar
em que aprenderam mais do que a estudar
alguns estejam
certos mas vejam
muito poucos aprendem da experiência
a maioria repete com insistência
os mesmos erros
dá os mesmos berros
e leva a vida aprimorando seus defeitos
só quem algo em seu caráter reverteu
pode afirmar o pouquinho que aprendeu
GOTAS DE AÇO VIII
apenas sobrevive quem o sonho
conserva firme no apesar de tudo
quem em fadas acredita e não me iludo
é realmente
sincero crente
pois existe em seu peito algo de mágico
e não apenas o cinismo trágico
dos que desistem
sem que conquistem
prêmio algum em troca de seu sonho
quem deseja o concreto é mais bisonho
do que quem ama
e só reclama
pela nódoa dourada do abstrato
que atravessa a vida e no seu prato
serve o luar
e a luz solar
como todos esses doidos são conscientes
que jogam dados na mesa do destino
rasgando pedras ao sonho cristalino
GOTAS DE AÇO IX
como esperam que eu fale de meu sul?
sou poliglota sou cosmopolita
cada povo da europa em mim habita
além de com certeza
a bisavó libanesa
conforme me contou o meu avô
enquanto minha mãe sempre o ocultou
não sou daqui
tão só vivi
entre o povo que me olhava descontente
quando muito me encarava indiferente
jamais eu soube
nunca me coube
descender dos heróis de trinta e cinco
nem daqueles que buscaram com afinco
seus feitos apagar
e a eles derrotar
de tantos homens duros essa saga
faces sulcadas pela ação dos tempos
almas sulcadas pelos contratempos
GOTAS DE AÇO X
Na barba avermelhada pelo sonho
grãos de tempo escorrem a granel
cada estrela se transmuta em ouropel
levo no peito
as condecorações
do amor de luz que se apagou outrora
do amor de treva que retorna agora
na barba avermelhada
pelo sangue
os grãos de areia fazem-se esmeraldas
já carcomeram da colina as faldas
trago no bolso
três boitatás
uma coroa de sacis sobre a cabeça
beijos de iara que jamais esqueça
e calco aos pés
a multidão de fés
a que vejo os pescoços se dobrarem
já vi morrerem todos os vampiros
nos tiros de festim palcos vazios
GOTAS DE AÇO XI
amortalhado em ti meu sonho inteiro
mumifica-se no olor dessas bandagens
estarrecido ao penar das descoragens
que levam mais
a seu jamais
estou pobre de ti e nem te vejo
preguei tua sombra com um percevejo
à minha parede
sem que segrede
para mim sequer uma promessa
de ver o fim da solidão espessa
vejo a parada
desenfreada
dos cacos de fantasmas que ainda tenho
almas penadas que não mais contenho
passou a estreia
morta assembleia
o delírio é uma concha de malícia
minha energia gastou-se em treze medos
nessa peneira de aço de meus dedos
GOTAS DE AÇO XII
gotas de aço eu trago no regaço
por onde passam vão abrindo espaço
no fulgor baço de um aberto laço
os ventre caço
e deles faço
um colar para ao pescoço entrelaçar
meus dedos a anelar de mal-estar
e então desfaço
a cada passo
dos nobres os salões vazios de reis
dos adros das igrejas mortas leis
em calhamaço
puro cansaço
penetra pela mente um desalento
nessa mansão com paredes de lamento
brotam centelhas
de espiras velhas
dourada cria desta ferraria
meus dentes são de aço neste dia
a mastigar a luz de meu despeito