CHEIRO DE HORAS VERDES

Oh, Deus, as horas estão murchas

- como comporei os dias?

Apagarei, acaso, todas as linhas

tênues que sejam

para libertar os dias da prisão

cruel e do despotismo das horas?

Oh, Deus, as horas estão verdes

fortes demais para que

as possa transformar em átomos,

que já são em mentira

e clarear o tecido que é

folha a balançar na brisa

Oh, Deus, ouve-me?

A Ti busco nas horas dos

dissabores, estou encurralado

morto quem sabe já,

apesar do ar que sai dos pulmões

Derruba, oh Senhor, a densa parede

que construí com minha humanidade

e esquece o resto, apaga o mais

são folhas secas que a passagem

das horas deixará apenas lembranças

pelas raízes da planta-homem

que de fome se alimentará

Agora as horas secaram

são húmus a fertilizar os

dias que encherão os caminhos

na viagem à casa paterna

Esperai-me vestido de seda

entreabre a porta e põe música

- já estou ouvindo, estás tão

perto, já não há mais dias

já não há mais horas

apenas um fio de tempo

separa a existência de mim.

Oh, Deus, as horas são transparentes

ou estão mortas?

Senti por aqui um fino

sopro com cheiro de horas verdes,

fiquei suave, leve, vivo...

Doeu em minha espinha.

INALDO TENÓRIO DE MOURA CAVALCANTI
Enviado por INALDO TENÓRIO DE MOURA CAVALCANTI em 03/04/2011
Código do texto: T2888043