CHEIRO DE HORAS VERDES
Oh, Deus, as horas estão murchas
- como comporei os dias?
Apagarei, acaso, todas as linhas
tênues que sejam
para libertar os dias da prisão
cruel e do despotismo das horas?
Oh, Deus, as horas estão verdes
fortes demais para que
as possa transformar em átomos,
que já são em mentira
e clarear o tecido que é
folha a balançar na brisa
Oh, Deus, ouve-me?
A Ti busco nas horas dos
dissabores, estou encurralado
morto quem sabe já,
apesar do ar que sai dos pulmões
Derruba, oh Senhor, a densa parede
que construí com minha humanidade
e esquece o resto, apaga o mais
são folhas secas que a passagem
das horas deixará apenas lembranças
pelas raízes da planta-homem
que de fome se alimentará
Agora as horas secaram
são húmus a fertilizar os
dias que encherão os caminhos
na viagem à casa paterna
Esperai-me vestido de seda
entreabre a porta e põe música
- já estou ouvindo, estás tão
perto, já não há mais dias
já não há mais horas
apenas um fio de tempo
separa a existência de mim.
Oh, Deus, as horas são transparentes
ou estão mortas?
Senti por aqui um fino
sopro com cheiro de horas verdes,
fiquei suave, leve, vivo...
Doeu em minha espinha.