PERGAMINHOS 1-12
PERGAMINHOS I
O tempo é um poema e as letras somos nós,
as vidas são a tinta em papel de coração:
existe uma tristeza em cada pontuação,
mas cada frase torna da esperança empós.
Reunimo-nos em letras e mesmo quando a sós,
sabemos ser maiúsculas em plena solidão,
na qual à letra "e" se mostra compaixão
e tudo se reúne na síntese dos nós...
Parágrafos nós somos do velho pergaminho,
embora existam tantos sequer dos rodapés
fazendo parte... e, em tais prosopopeias,
são vírgulas de amor, dois pontos de carinho
e, a cada exclamação, achamos novas fés,
em cujas reticências renovam-se epopeias.
PERGAMINHOS II
As letras se embaralham. A letra "A"
é abreviatura só para "Alanina";
e a letra "G" nos representará
o aminoácido que chamam de "Guanina".
A letra "T" assim demonstrará
a abreviatura que refere a "Tiamina";
enquanto a letra "C" nos lembrará
que em nós existe também a "Citosina".
É o conjunto de tais aminoácidos
e de suas variações e coadjuvantes
que nos tornam em tudo o que nós somos.
Uns musculosos, outros já mais flácidos;
uns belos, outros pouco interessantes,
desde o momento em que gerados fomos.
PERGAMINHOS III
E dessas letras se forma o teu genoma,
tal qual se forma o meu, sem desperdício,
prodigalidade é somente humano vício
e mais se dá, quanto menos se toma...
Mas é esse GCTA que assim nos doma
e nos conforma, sem qualquer bulício:
no RNA permanece o seu resquício,
até nos gens que parecem estar em coma,
mas que tem, certamente, a sua função,
que ressuscita, em brando sortilégio,
sempre que tal necessidade ocorrerá.
Aminoácidos me formam o coração
e como apreciaria o privilégio
de com ela misturar o meu DNA!...
PERGAMINHOS IV
Nesse processo do código da vida,
em que os aminoácidos revezam,
são quatro os elementos que se entesam
na formação da marcha indefinida.
Carbono e hidrogênio dão guarida
aos hidrocarbonetos, em que pesam
também o nitrogênio e em que rezam
os átomos de oxigênio, em branda lida.
Mas são os ocasionais oligoelementos
que fazem, sobretudo, a diferença,
além do ferro que, naturalmente,
se apega aos outros, em firmes movimentos
e forma a hemoglobina, de cor tensa,
que cheiro empresta ao sangue, diariamente.
PERGAMINHOS V
E assim caminha a vida, em sua nudez
interna e mais perfeita, sem nada aleatório.
Nela tudo se encaixa, é apenas irrisório
queixar-se, em natural desfaçatez.
Cada um de nós é apenas um freguês:
nova mão em cartada, provisório
configurar sobre o ouro do cibório,
na mesma comunhão que a todos fez.
Pois foi bem planejado o mecanismo
e a cada vez que essas letras embaralha,
retorna num fragor de mil possíveis.
Nosso único destino é o puerperismo,
em que os erros são os nossos e não falha
a chance para os frutos mais incríveis.
PERGAMINHOS VI
Jogam-se os dados e os doze pontos rolam:
quiçá adulterados pela morte,
quem sabe bafejados pela sorte,
rebatem, batem, até que se consolam...
Lentamente, as oito quinas já se esfolam,
as arestas vão perdendo o agudo corte
e, nesse balançar de falso esporte,
de dois a doze pontos se extrapolam...
Já os antigos lançavam o Purim
sobre as pregas de um manto de figuras,
nessa vã expectativa do destino...
E nossa vida igualmente é feita assim:
rola o marfim dos dados, sem ternuras,
tangendo desde o berço o claro sino...
PERGAMINHOS VII
Ou então, se leem as cartas do baralho:
já vêm marcadas desde o nascedouro;
apenas treze nos transmitem ouro,
enquanto treze outras trazem talho;
mais outras treze do trabalho o malho,
treze ainda só do amor meigo tesouro;
mas só há três coroadas, sem desdouro,
enquanto há dez em naipe de trabalho.
Não sei se o DNA e a cartomancia
têm entre si qualquer conflagração...
As cartas são tocadas, com certeza
e nelas ficam, de fato ou em fantasia,
as partículas sutis de cada mão,
na partilha mais sutil da Natureza.
PERGAMINHOS VIII
Outros buscam o futuro nas estrelas:
existe nelas um DNA divino...?
Redes neurais no orvalho matutino,
ou o código genético de estelas...?
As marcas constelares dessas telas
poderiam demarcar nosso destino...?
Teria um deus, com dedo cristalino,
marcado nelas calvários ou procelas...?
Só não vejo porque alguns planetas,
opacos nesse céu de desatino,
poderiam demarcar o quanto eu sou...
Creio é nas minhas manipulações secretas,
constelações internas que eu assino
e determino, aonde quer que vou...
PERGAMINHOS IX
Já outra coisa é a palma de minha mão.
Bilhões antes de mim calcaram barro,
ou vidro, ou pergaminho, bilha e tarro,
deixando neles as marcas e o condão
da própria vida, sem qualquer repetição.
Escorre o nosso sangue de um só jarro
e nas linhas da mão é que me amarro,
determinadas desde minha conceição...
Na palma minha direita, trago estrela;
as pontas me sulcaram só um "A",
onde todos os demais trazem um "M"...
Aminoácidos moldaram, sem balela,
as digitais que nos meus dedos há,
mas a palma de minha mão segura o leme.
PERGAMINHOS X
Será então uma rede esse papiro,
assim gerando as circunvoluções
que hieroglifou por tantas gerações,
o que há de suceder em cada quiro?
Ou no entrementes do delicado giro
já palpitam desafetos e paixões
ou, pelo menos, as predisposições
que marcarão para que lado eu firo?
São linhas permanentes desde o seio,
que não desbotam ao longo da velhice,
que se repetem em tudo quanto eu toco...
Ou será esse meu toque o próprio meio
com que minha marca imprimo, qual se agisse
de tal modo a meu destino pôr em foco?
PERGAMINHOS XI
Uma pedra eu lancei ao firmamento:
no dia seguinte, ela um pássaro matou:
em que parte do espaço ela ficou
até escorrer em singular portento?
Quem sabe, foi retida pelo vento
ou sobre as nuvens um dia descansou?
Talvez a chuva em rajadas a tomou...
Busquei a explicação e ainda tento
saber como nos tardam consequências
quando lanço pedras-versos pelo espaço.
Que escaninho acharão no coração
de tanta gente, sem equivalências
com o amor que hoje lanço a seu regaço,
trazendo o ódio apenas em botão...?
PERGAMINHOS XII
Porque, de fato, somos responsáveis
pelos efeitos tardios de cada ação:
nossa palavra se espalha, sem perdão
e reproduz-se em efeitos memoráveis.
Até lançada a corações inconquistáveis
é recolhida em preito de emoção,
por esses corações, nessa ilusão
de serem mestres de dons inabaláveis...
Pois como diz brocardo bem antigo:
"Atirei no que vi e matei o que não vi."
Ai, se pudéssemos prever nossos efeitos!
Porque estamos sujeitos ao perigo,
(um dom tão triste que jamais pedi)
de somente transmitir nossos defeitos...