Rainha do Abstrato

Sou a rainha do abstrato

Vivo de metáforas

E não conheço o mundo real

Confundem-me com uma ilusão

E não erram tanto assim

Pois sou feita de experiências inexistentes

Pintadas com as cores erradas

E posta no mundo com um objetivo indefinido

Será que pode me ver

Ou minha abstração me torna invisível?

Nunca toquei ninguém

Embora a sensação não me seja desconhecida

Tenho memórias do que nunca vivi

Do que nunca viverei

Conheço o frio e o calor

Embora jamais os sinta

Conheço o ódio e o amor

Embora jamais me alcancem

Conheço a felicidade e a dor

Embora com a concretude de um sonho

E não posso voltar para casa

Pois ela também não passa

De uma figura de linguagem

As paisagens que descrevo são tão belas quanto irreais

E em meu reino o único súdito

É a Solidão

Que não obedece a ninguém, de qualquer forma

Sento-me no trono e ponho a coroa

Como se isso tivesse alguma utilidade

Mas, no fundo, são só símbolos

Tirados da história de outra pessoa

Inúteis em meu contexto vazio

Brilhantes demais para tanta indiferença

Se com os olhos abertos

Só vejo ilusões

Será que fechando-os

Verei algo de verdade

Ou só afundarei ainda mais em meu nada?

Não, metáforas não se acabam

Só porque desisti de vê-las

Sou a senhora absoluta do abstrato

E isso não vale nada