Folha branca 2
Que aflição.
Me dói os nervos
Ver uma folha assim tão branca
Tão clara, com linhas tão retas.
Sem um pingo, sem um ponto, sem uma virgula.
Sinto o enorme desejo de mancha-la
Com minhas letras agarranchadas.
Enche-la dos meus tédios bem vividos.
Tirar-lhe a clareza e mergulha-la
No breu das minhas angustias.
Roçar-lhe a ponta dura do meu lápis
E vê-la abrir seus caminhos para mim
Linha por linha, espaço por espaço
Como uma dama sozinha em um beco escuro
Arregaça-la sobre qualquer superficie lisa
E preencher-lhe a existência fria.
Derramar-lhe o líquido viscoso
Do meu instrumento insaciável
Desenhando meus mais sórdidos desejos
Contaminando-lhe a superfície alva.
Importuna-la até que esta corra
Pra longe de mim, e espalhe por aí
Os meus segredos, vingando-se assim
Deste total infortúnio.