UM DESSES VILAREJOS DA SERRA

É um desses vilarejos da serra

entre a cidade e o mar

Onde o sol ilumina

mas não aquece

As casas de muros caiados

E telhados baixos

Onde a estrada próxima é um fantasma da família

Brincando de esconde-esconde na neblina

Com seus escaravelhos de metal

De olhos injetados

É um desses vilarejos da serra

onde os gatos morrem de frio

em cima dos fornos em braseiro

E esquilos chegam de mansinho

Para roerem as costelas

Das escadarias

Onde é tão pesada a nuvem de fuligem e poeira

deixada pelos automóveis

carregados de bagagem

Que a vegetação

já sufocada pela umidade

respira como um asmático cavando o ar

Com as mãos vazias

É um desses vilarejos da serra

Onde o mar é mais distante para os moradores

Do que para os turistas da cidade

(Mas de onde, segundo os antigos,

era possível

em dias muito frescos

sentir o cheiro da maré

E também o cheiro podre dos peixes

abandonados na areia

pelos pescadores

E cujos olhos se transformam em conchas

se a noite é de lua cheia)

É um desses vilarejos da serra

Indiferentes aos caminhões de gasolina

Estacionados no caminho

para o lago

com seus choferes de medalhão e ray-ban

Onde os jovens que ouviram os planos do governo

De duplicar a rodovia

De modo

a facilitar a vida dos turistas

Sonham com a profissão de agrimensor

Mas é um desses vilarejos

Onde há sempre agrimensores verdadeiros

A medir os cotovelos

das ruas

E os gritos das frutas fermentando nas sacadas

Onde os namorados selam o compromisso

Passeando pela mata

que a cada passo se torna mais fechada

(Muitos deles não voltaram. Nem os ossos

foram jamais encontrados. Teriam ido todos para o mar?)

E há sempre um lampião sobrevivente de outras eras

iluminando

uma antiga avenida principal

Escura

Cortada por uma brisa úmida e selvagem

E de onde se pode ouvir escapar desde o casario

Finadas canções

ainda entaladas na garganta

É um desses vilarejos da serra

Onde as mulheres colhem mudas de plantas

Que depois replantam

cuidadosas

nos fundos da casa

À espera de que nasça uma mandrágora

E nas noites quentes

Grupos se amontoam nas soleiras

Com um copo de cerveja a animar os sonhos

Límpidos e perfeitos como um cristal

Onde o pássaro azul bate as asas

- alucinado.

Alberto Mawakdiye
Enviado por Alberto Mawakdiye em 08/08/2010
Código do texto: T2425661
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