“O MITO DA SECA” [ManoelSerrão]
Na sesma o sol a pino estia, assola, recrudesce o árido,
Seca a lavra, a sebe, a parelha, o estipe, dissipa a mata.
Na sesma o sol lasca na pedra o esterco e da tapera resseca a palha.
Na sesma o sol é foice cega afiada que ceifa da relva a seiva.
Arranha a boca ferro, arrebenta a fome e ressaca a couraça.
Na sesma o sol varre do cacto a vida e na serra o poial quebra sem racha.
No latifúndio a chuva caída é encharco que semeia o pasto.
É rega d’água que dar engorda no curral ao rebanho castro.
No latifúndio a chuva corrida é seda, sal e repasto farto.
Na sesma o sol impõe a dor, desvanece e a honra "vaga".
Apea a laço o peão sem arção e ave sem canto faz piar sem grão.
Na sesma o sol faz do polirrizo da gleba porção rasa sem chão.
Na sesma o sol sem cirros plange e o homem para o êxodo parte.
Estival a soco e a golpe de língua a morte anuncia:
Na sesma o sol até que corpo e alma o juízo jazem na cova acaba.
No latifúndio o sol da sesma é a senha para o jugo do campo.
É barganha que desterra a séculos [en]terra e degrada.
No latifúndio o rico din. din. é rito desigual, dívida imoral sobre a mesa.
É arma que atira na grei da sesma e sobrevive do “mito da seca” sob a capa.
Entre pedras e rosas.
Destino e sorte.
Vida e paixão.
Na sesma o dote é a morte.
Imagem: Gravura do artista plástico Aldemir Martins.