Na maca do hospital...


Como uma estátua nua, eu ali gemia
Deitado numa maca de hospital,
Num corredor medonho, noite e dia,
Chorando sangue e lágrimas de sal,
Pobre mendigo torpe e vagabundo
Que espera pela morte natural...
Ao meu redor tudo era feio e imundo:
O olhar calmo do nada me fitava
Como o reflexo, trágico e profundo,
De outra alma infeliz que ali passava,
“Jogo de espelhos num teatro insano”
Era o que um anjo azul me comentava!
Sobre os meus pés estava um vil cigano
Que ria pro nada como quem desdenha
Do destino infeliz de cada humano,
Que nesta terra sempre se embrenha
Pois na maldade vive e faz morada!
E assim, perguntei ao anjo: “Qual é a senha
Para que uma alma possa ser curada
De todo mal nascido do pecado?”
O anjo sorriu e me disse: “Ser só nada,
Nunca existir, não ser jamais gerado,
Permanecer no abismo do não-ser!”
Meu coração ficou desesperado,
Logo pensei no amor e no prazer
Que cada humano imprime na existência,
Sem se dar conta que o seu inútil ser
Não é mais que nada, lírica aparência,
Poeirinha de orgulho e vaidade...
“De nada serve a arte ou a ciência
Para explicar sua amorfa realidade,
Eivada de ilusão, sonho e vazio,
Como se vida louca em sociedade
Não fosse mais que um mero balbucio
De um Deus que apenas brinca no quintal,
Pescando vida às margens de algum rio...”
Foi o que eu ouvi de outro o Anjo surreal!
Havia uma porta ao fim do corredor,
De onde ninguém dali saia, afinal,
Bem ao lado da porta um frio senhor,
Com olhar de carrasco impiedoso,
Vigiava a todos nós como um feitor!
Seu olhar sério, profundo e horroroso,
Me transpassava como uma navalha
Que corta a alma, da carne até o osso,
Como escultor que o mármore entalha
Para tirar da pedra uma escultura...
Ele bradava: “Homem da gentalha,
Esquece o seu destino e se aventura
No nada que te espera no presente!
Anda entra sem temor na sepultura
Como um verme rasteja a minha frente
E beija sem temor a minha mão!”
Olhei pra trás de modo reticente,
Senti bater mais forte o coração
E uma dúvida atroz me dominou:
Já não sabia se aquilo era a visão
Da minha morte que o Anjo anunciou
Ou se eu apenas sonhava de repente...
No meu ouvido outro Anjo sussurrou:
“Este teu sonho só existe em tua mente,
Acorda agora e faz uma oração,
Pede desculpa a Deus onipotente,
Pois nesta vida a morte é ilusão.
Abre teus olhos para o que é real
Tu já não tens mais nenhuma opção!”
- Dormi e sonhei na maca do hospital!