UMA ALMA ESCRITA EM PENA
Daqueles dias podres que a mim levaram,
Fui a carne e a comida em decomposição;
E das negras chuvas que me desaguaram,
Fui à mágoa da tinta em plena profusão...
Do meu ardor bandido, com uma moeda falsa,
Nada de mim eles compraram naquelas camas...
Apenas ouço o sôfrego som do violino em chamas,
Queimando a alma em vida daquela fúnebre valsa.
Como no apagar de uma negra e enfeitiçada vela,
Dentro da noite somos bichos e ninguém se revela.
Em casa sepultei a minha sombra...,
Arranquei a pele do meu pensamento,
Desossei a raiva que me assombra...,
Entrei em concha no meu purgamento.
Chamei os lírios de covardes flores,
Por não alcançar a sua bela alvura;
Talvez por perder os meus amores,
Ao não dar-lhes merecida candura.
Rasguei os livros das minhas dores,
Senti a minha alma sair dali impura.
Alcancei nú o ébrio céu paramentado,
Bebi seu ócio e o enfermo dia perdido.
Um ser de toda a fome livre mas, acorrentado,
Num sol sem brilho, por não ser em si merecido,
Apenas chamusquei as minhas asas do pecado;
Ele não foi forte o suficiente para me matar,
Para um outro lugar eu seria dali transportado,
Meus olhos em lesmas, lágrimas lentas a vazar.
Meio cobra eu agora acordei em um calabouço,
E no meu corpo a sombra ressuscitada se desdobrava,
Nesta pouca luz fria em que só eu apenas me ouço...
Serpenteando-me, o cheiro da morte que a mim sobejava,
Deu de ombros e disse: Pois, uma alma que pena em vida,
Aqui não me serve, só faz aumentar essa sua grande ferida!
E mesmo que eu dali não saísse feliz da minha não morte,
Vivo os dias infelizes em rabiscos no papel da minha sorte.