UMA ALMA ESCRITA EM PENA

Daqueles dias podres que a mim levaram,

Fui a carne e a comida em decomposição;

E das negras chuvas que me desaguaram,

Fui à mágoa da tinta em plena profusão...

Do meu ardor bandido, com uma moeda falsa,

Nada de mim eles compraram naquelas camas...

Apenas ouço o sôfrego som do violino em chamas,

Queimando a alma em vida daquela fúnebre valsa.

Como no apagar de uma negra e enfeitiçada vela,

Dentro da noite somos bichos e ninguém se revela.

Em casa sepultei a minha sombra...,

Arranquei a pele do meu pensamento,

Desossei a raiva que me assombra...,

Entrei em concha no meu purgamento.

Chamei os lírios de covardes flores,

Por não alcançar a sua bela alvura;

Talvez por perder os meus amores,

Ao não dar-lhes merecida candura.

Rasguei os livros das minhas dores,

Senti a minha alma sair dali impura.

Alcancei nú o ébrio céu paramentado,

Bebi seu ócio e o enfermo dia perdido.

Um ser de toda a fome livre mas, acorrentado,

Num sol sem brilho, por não ser em si merecido,

Apenas chamusquei as minhas asas do pecado;

Ele não foi forte o suficiente para me matar,

Para um outro lugar eu seria dali transportado,

Meus olhos em lesmas, lágrimas lentas a vazar.

Meio cobra eu agora acordei em um calabouço,

E no meu corpo a sombra ressuscitada se desdobrava,

Nesta pouca luz fria em que só eu apenas me ouço...

Serpenteando-me, o cheiro da morte que a mim sobejava,

Deu de ombros e disse: Pois, uma alma que pena em vida,

Aqui não me serve, só faz aumentar essa sua grande ferida!

E mesmo que eu dali não saísse feliz da minha não morte,

Vivo os dias infelizes em rabiscos no papel da minha sorte.

Setedados
Enviado por Setedados em 12/05/2010
Reeditado em 02/06/2011
Código do texto: T2253156
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