MEU HOMEM BICHO
A bestialidade humana
Reverte aos primordiais,
Embrutece sempre mais
À sua forma mais insana.
Falar a língua dos bichos
Um dia quero poder,
Pra que eu possa entender
Seus prazeres e caprichos.
Saber do bicho preguiça
Qual o estresse que mais mata,
Do urubu, por que a carniça,
Se porque é mais barata?
Quero saber do beija flor
Por que beija tanto as flores,
Se as manda ao seu amor
Já beijadas com sabores?
Do João de barro, saber,
Por que a casa abandona,
Se lhe trai seu bem-querer
Ou por ser muito mandona?
Se o teco do tico-tico,
Funciona mal assim,
Pra tratar todos no bico
Os filhotes do chupim?
Com o cão interagir
Sua vida vira-latas,
O que diz no seu latir
Para o dono que o maltrata?
Quero ver nos quero-queros
Se o que querem eles têm,
Ou apenas lero-leros
Pra querer o que convêm?
São felizes nos seus cantos,
Mesmo à morte dos seus filhos
Ou se são apenas prantos
Que acalantam em estribilhos?
Se de todos são os galhos
E desfrutam a mesma fruta,
Se há cobras com chocalho
Algum bicho tem batuta?
Perguntar aos bem-te-vis
Se das amadas bem viram
O que diante do nariz
Aprontaram e mentiram?
Será mesmo que ele gosta
Ou se faz por precisar,
Não teria o vira-bostas
Outra coisa pra virar?
Quero zumbir como insetos
Grilar meus grilos com grilos,
Perguntar se é afeto
Seu cri-cri, por que aquilo?
Se o sabiá já sabia
Do amor que ela sente,
Ou se é só poesia
E no canto ele só mente?
Nessa mata de concreto
Vivem todos tão mesquinhos
Sobra ódio, falta afeto,
Tristes andam tão sozinhos.
Quero morar junto à selva,
Um tucano por amigo,
Uma cobra sob a relva,
Bem menor esse perigo.
Um pau oco, minha morada,
Como ventre donde eu vim,
Ter a selva por amada
Fosse mãe, começo e fim.