POESIA INSPIRADA EM "OS VENCIDOS" DE ANTERO DE QUENTAL
3 poetas param rapidamente
Numa sala lisa e branca.
Cantam a terra num universo preto,
Eleva-se o dia levemente.
Três cavaleiros seguem lentamente
Por uma estrada erma e pedregosa.
Geme o vento na selva rumorosa,
Cai a noite do céu, pesadamente.
Certeiros, pisadas, pegadas justas,
Seus pés engraxados no teto polido,
Recobertos pelo céu claro e contido,
No olhar transformam e misturam frutas.
Vacilam-lhes nas mãos as armas rotas,
Têm os corcéis poentos e abatidos,
Em desalinho trazem os vestidos,
Das feridas lhe cai o sangue, em gotas.
Segregados ao construírem sentimentos novos,
Paralelos e congruentes sobrepõe teores.
Pensamentos que decolam sem dores
Propaga-se no infinito ausente dos olhos.
A derrota, traiçoeira e pavorosa,
As fontes lhes curvou, com mão potente.
No horizonte escuro do poente
Destaca-se uma mancha sanguinosa.
O terceiro dos três de ponta cabeça,
Tenor canta o declínio da curva que vê!
Castiga-me tamanha beleza, não crer,
Poeira cósmica, DNA de uma ameixa!
E o primeiro dos três, erguendo os braços,
Diz num soluço - Amei e fui amado!
Levou-me uma visão, arrebatado,
Como em carro de luz, pelos espaços!
Por uma estreita porta livrei-me do globo
Onde gladiavam selvagens,
Atado; firme ao som, leito das imagens
Descontentes, pleno verão finito e tolo.
Com largo voo, penetrei na esfera
Onde vivem as almas que se adoram,
Livre, contente e bom, como os que moram
Entre os astros, na eterna primavera.
De tão matusquela viaja à lua de ónibus
Ainda leva sua namorada crente?
Jamais trocava um carinho público inconveniente
Porém deles eram os rastros anónimos!
Por que irrompe no azul do puro amor
O sopro do desejo pestilente?
Ai do que um dia recebeu de frente
O seu hálito rude e queimador!
Reflorestado o coração de amores
Resfria quente o sol na praia,
Intenso buquê floresce e ensaia
Insumos orgânicos que adubam atores.
A flor rubra e olorosa da paixão
Abre languida ao raio matutino,
Mas seu profundo calix purpurino
Só reçuma veneno e podridão.
Animais, amei e eu amava...
O momento não é propício ao voo,
Transpondo paredes assumiremos o pouso
Covardia de um pequeno jardim que rodeava.
Irmãos, amei — amei e fui amado...
Por isso vago incerto e fugitivo,
E corre lentamente um sangue esquivo
Em gotas, de meu peito alanceado.
O segundo poeta e louco,
Sem expressões faciais:
- Sou 1 dos matadores locais,
E conduzia- nos ao fogo.
Responde-lhe o segundo cavaleiro,
Com sorriso de tragica amargura:
- Amei os homens e sonhei ventura,
Pela justiça heroica, ao mundo inteiro.
Desvairado, opaca evidente
Claridades, vaidades e pessoas:
Arranca a pele da bunda e depois passa a vassoura,
Pois via a imagem contente.
Pelo direito, ergui a voz ardente
No meio das revoltas homicidas:
Caminhando entre raças oprimidas,
Fi-las surgir, como um clarim fremente.
Mais uma data comemorativa?
Toda noite é dia de resgate?
Confia-me teu carro e toma um mate
Rolando o rio renegado fica!
Quando há de vir o dia da justiça?
Quando há de vir o dia do resgate?
Traiu-me o gladio em meio do combate
E semeei na areia movediça!
O capitalismo, suave e positivo,
Agredia aos poucos a paz noturna.
Acordava nervoso em candura,
Revelado a conhecimento de amigo.
As nações, com sorriso bestial,
Abrem, sem ler, o livro do futuro.
O povo dorme em paz no seu monturo,
Como em leito de purpura real.
Irmãos, amei os homens e contente
Por eles combati, com mente justa...
Por isso morro á mingoa e a areia adusta
Bebe agora meu sangue, inglóriamente.
Diz então poeta primeiro e último
Sempre fui amado mas nunca soube por quem...
Com o mar, neles sempre me apoiei
Mesmo acanhado, solto, cheguei ao fundo.
Diz então o terceiro cavaleiro:
- Amei a Deus e em Deus puz alma e tudo.
Fiz do seu nome fortaleza e escudo
No combate do mundo traiçoeiro.
Havia incorporado o sumiço das horas;
Perdido, pensei em Deus e ouvi errado.
Técnica de desapego, apegado
Em expectativas crenças ou trovas.
Vacila o sol e os santos desesperam...
Tedio reçuma a luz dos dias vãos...
Ai dos que juntam com fervor as mãos!
Ai dos que crêem! ai dos que inda esperam!
Asteróides de ferro polido...
Atingem barracos santos.
Estruturam-se casas Bola em prantos,
Cascatinha, borboleta brincando num parque querido.
Que vento de ruina bate os muros
Do templo eterno, o templo sacrosanto?
Rolam, desabam, com fragor e espanto,
Os astros pelo céu, frios e escuros!
Compreende a força e desatina.
Desponta envolto a casa sem muita exatidão;
Baluarte sem vento, bem aventurado sob escravidão.
É ele o cara da gelatina, o dono da adrenalina.
Irmãos, amei a Deus, com fé profunda...
Por isso vago sem conforto e incerto,
Arrastando entre as urzes do deserto
Um corpo exangue e uma alma moribunda.
Deuses do astral adentrem a alma...
Por dentro caminhem ao norte...
Povoem as lágrimas de sorte!
Perdoem um vulcão! de sentimento e lava!
Invoquei-o nas horas afrontosas
Em que o mal e o pecado dão assalto.
Procurei-o, com ância e sobressalto,
Sondando mil ciências duvidosas.
E os 3 gritando - vai pra frente,
Levantem os braços, pendurem-se na árvore
E quebram de felicidade o mármore,
Pedras lançadas vindas de vossa lente,
E os três, unindo a voz num ai supremo,
E deixando pender as mãos cançadas
Sobre as armas inuteis e quebradas,
N'um gesto inerte de abandono extremo,
Presentes num futuro triste
Surpreendidos por natureza,
Presentes oriundos da certeza
Também vagam sobre palpites.
Sumiram-se na sombra duvidosa
Da montanha calada e formidável,
Sumiram-se na selva impenetrável
E no palor da noite silenciosa.