ALMAS DE VIDRO
Nem se eu andasse por entre ruinas
E visse pássaros livres entre homens armados
E tivesse escrito tantos versos que me tivessem cansado
E o rosto daquela esfinge lembrasse qualquer santo de plantão
Ou então que se espalhasse a notícia da regeneração
Por parte dos homens-gigantes e que tivessem amolecidos
Seu corações que foram esculpidos em pedra ou mármore
E houvesse um país livre de armas e flagelos e religiões
Ou que nascesse alguém com um brasão desconhecido
No braço esquerdo e não existisse mais pátrias
E nem cavalos com selas curtas e nem pedras atiradas
Por mulheres que tiveram seus maridos mortos numa guerra
E brotasse uma nova floresta a cada instante diante
Dos olhos secos das águias e iguanas no deserto sagrado
E mesmo assim os barcos voltassem a pescar sem tormentas
E alguém tivesse arrancado todos os muros de todas as fronteiras
E aquele homem sentado sobre o monte mais alto da terra
Recitando versos de um estranho livro desistisse de saltar
Para dentro do abismo que foi dito que haveria no fim dos dias
E se o suicida dicidisse numa carta escrita que a vida vale
O quanto pesa uma tonelada de ouro que ele nunca terá
Ou que alguém esculpisse mentes em cactos no deserto
Para num dia qualquer abrir lojas que nada vendessem
E tudo dessem aos turistas que andam pelo mundo
E os aflitos mudos diante do Muro das Lamentações
Rasgassem suas velhas bíblias e abrissem seus corações
À ciência que detesta crer no que não vê e não pode provar
E nós enfim aprendessemos que mais cedo ou mais tarde
A sensação do sorvete gelado acaba e som do silêncio
Com suas mãos de estrelas do passado vem nos buscar
Para morar dentro de uma redoma perto de Plutão
Onde estão todos que sairam de casa para o trabalho
E nunca mais voltaram e nem voltarão.
Ou então, neste dia tão delicado, em que o frio nos abraça
E nem é inverno, uma chícara de chocolate bem quente
Descesse as escadas de cada ser e aquietasse
Sua alma de vidro que se quebra quando bate,
De repente...