Era madrugada e a cidade não existia
Era madrugada e a cidade não existia. O que havia eram restos humanos sob as marquises do Minhocão, cães farejam viver, danos e solidão abundavam.
Por ali eu me inseri na paisagem, dentro do estágio, desse processo que me inscrevi, de loucura à distância, curso individual, um caminho que só a palavra conhece e leva.
É certo que o primeiro passo é não dormir mais, ficar ancorado, esperando navios, rios que deságuam, gente que chega e que parte, fazer apartes nas contendas.
Assim vai a mente metendo-se em labirintos curvos, desdizendo o real, reciclando raízes, fazendo flores amarelas, atravessando sinais vermelhos, subindo paredes.
O que se faz é o momento e este segue em frente, abrindo caminhos, quebrando paredes, picadas que traço, derrubo árvores, faço o inferno, fogo na mata. Koyaanisqatsi aqui dentro.
Um mundo fora de equilíbrio, sem placa retorno, contorno, pronto-socorro, porto de chegada, só ferida, féretro, funesto, gueto de Varsóvia, Palestina destruída, choro, vela. História.
Nesse ensandecer público, janelas se abrem, choros sinceros valem mais que risos frouxos, beijos não dados, distância completam paisagens áridas, há sempre uma janela.
Bater na porta do deserto, acender a luz, acordar na cama do faquir. Fim do espetáculo tétrico, cobrar o ingresso pelo show passado. Lançar moda gótica na passarela fashion.
Sou assim instável, hora asfalto, hora tempestade, mato, torrentes que me vêm em jorro. Nunca peço socorro, enfrento tudo no peito, onda fatal. Barco que vira e revira. Sigo.
Sem dano social, à família, à pátria e ao trabalho. Ralho comigo mesmo. Exijo presença no amanhã, calço meu sapato preto, calça jeans, camisa branca e fico assim desperto.
Toca o telefone, me comovo, me movo, me lava, sou seu, novo de novo. Volto para o meu ofício, escritor do não dito, coletor de vozes secas, de cactos. É hora do almoço.