O ter e o ser
De lânguido olhar o Ser mirava
Pensando nos seres que nasciam.
Um ter pessonhento
Pai de todos os teres
Franzia o senho
E seu nome era "ambição".
Milhões de teres se curvavam
Ante sua magnificiência,
Ele incitava a guerra
Contra todos os seres
E não dormia
E começa então uma refrega
Sem trégua e sem regras.
Um ter chamado beleza
Se sobressaía a vários seres
Fazendo com que eles se encobrissem,
O ser honesto, coitado... era sem graça
Enquanto a dissimulação
Crescia em robustêz nunca vista.
Mas o ser sábio escolhia
O que lia, via e ouvia
Enquanto milhões de teres
Se acotovelavam atrás de discos
Fitas de vídeos, revistas
De preferência em rodoviárias
E de lojinhas de veredas vicinais.
O ter ambição espalhava o seu espírito
Sem piedade organizando-se
Em bolsas, bancos,financeiras
E, principalmente, no corpo político
E nem sabiam mais o que tinham.
O seres se encontravam, furtivos,
Em igrejas,escolas,universidades
E ainda assim eram perseguidos.
Os teres se disfarçavam de fiéis,
Estudantes, professores
E até no seio das melhores famílias
Levavam seus livros,discos e fitas
Onde ficava registrada
toda a saga do grande ter
Que disseminava a exploração e a mais-valia
Em face da ignorância popular
Em assuntos relevantes
E pertinentes à educação.
Até alguns seres na mais tenra idade
Se rendiam à ambição sem medida
Do grande ter,
E comiam, bebiam e se davam em rebolation.
Eram tomados, em certa época do ano,
Por uma epidemia que se chamava "carnaval",
E se não fosse pela misericórdia do grande ser
Nenhum se salvaria da busca do nexo pelo sexo
E chamavam de "diversão".
Até que um dia, ouviu-se uma voz que dizia:
Quem vai ficar, que vai partir
Quem vai chorar, quem vai sorrir
Pois o trem está chegando...
Todos os seres sabiam do que se tratava
E se preparavam para a grande viajem
Que seria por um furo no tempo,
Mas os filhos do grande ter
Se contentavam em não saber
Do que o trovador dizia.
Existia e insistia em existir
Uma coisa sem forma e,
aparentemente, vazia
Que se chamava "cultura"
Apelidada de conhecimento
E seu ensinamento era sabedoria.
Tinha certo custo mas valia.
E os seres viram nessa coisa sua redenção
E exploraram-na até a última gota.
Começavam então os preparativos
Para a grande viagem
E foi uma tremenda surpresa porque, na bagagem,
Só se podia levar os valores do grande ser:
Bondade, misericórdia, fraternidade, discernimento,
Tolerância e, acima de tudo, bom gosto pela arte.
Os filhos do grande ser ardiam em felicidade
E partiam em paz
Porém os filhos da ambição
choravam por não terem bagagem
E, certamente,seriam proscritos
Rodando à deriva pela escuridão da ignorância
Perdidos no vasto universo
Onde nada vale mais do que o ser.
E a voz incansável do trovador continuava:
Quem vai chorar, quem vai sorrir
Quem vai ficar, quem vai partir
pois o trem está chegando
está chegando na estação...
É o último do sertão...