Vento brasileiro
Vento sagrado de todas as castas
Fala-me o segredo de tudo o que arrastas...
Diz-me, profeta de lábio profundo,
Qual a sentença derradeira deste mundo!
Diz-me com a força que tens, vento norte,
onde se ergueram teu palácio e tua corte.
Todo o legado das enciclopédias
É a primeira página das tuas tragédias,
Qualquer mistério a sete chaves
Abre-se a ti, rei das astronaves...
Tudo o que havia de humano e oculto
Vira-se em flor, ó menino sem vulto!
Cada recalque afundando em escafandro
Emerge do teu rio reto, sem meandro...
Vento das pedras profundas e rasas,
Vento-correio, arauto com asas,
Vento que só fala a quem puder ouvir,
Que fala o mesmo ao rei Momo e ao faquir,
Vento que é brisa e que é tempestade,
Que poupa uma pétala e destroça uma cidade,
Vento das noites, faz-me ver de camarote,
Torna-me o teu mais novo sacerdote,
Vento que é velho, eterno, infantil,
Vento que é vento muito antes do Brasil,
Varre os escombros dessa pátria mãe gentil
Que há muito envelheceu no berço esplêndido senil,
Nossos bosques têm mais flores, mas todas muito velhas,
Flores sem cheiro, flores de plástico, 1 e 99, camélias,
Vento, que nunca foste impávido colosso,
Que aceleras a chegada ao fundo do poço,
Vês que a imagem do cruzeiro resplandece?
Pode ser outro inédito escândalo do BNDES...
Ó pátria amada, SALVE, SALVE, idolatrada,
Que não é um país, é um conto de fada,
O vento não é forte para apagar teu pavio,
Nem, humilde o bastante para empurrar teu navio,
Portanto, se queres, como a bomba estanque,
Explode paralisada na caveira de outro palanque,
Fica no impasse, entre a espada e a cruz
E esconde tua cabeça outra vez, risonho avestruz...
Ah mas o império de todos os ventos
Não morreu no ano de mil e quinhentos:
Seguiu arrastando-se as folhas das Heras
Os paraísos artificiais, as falsas primaveras...
Todo o petróleo, vento Júpiter, todos os fósseis,
Todos os funcionários públicos indóceis,
Tu pensas que escapas, ó terra ilusória,
Da elegância austera do pêndulo da História?
Sem nenhum senso crítico, sempre te deitas
No ópio dos futebóis, no vinho das falas estreitas...
És muito grande, e, para o vento, o tamanho
É que aumenta a queda! Quanto maior o rebanho
Mais cabeças de um mui perfeito gado
fluindo para o abismo, do mesmo lado.
Ó vento que é leve, mas atiça a fogueira
Que fumega a omissão de caráter brasileira...
Tira do mapa, arranca, risca
Toda a estupidez fantasiada de faísca.
Dá a um povo ingênuo e passivo, nada aguerrido
um pouco de verve, brio, altivez e timbre garrido
Vento, senhor do luto e da festa,
Ébrio sem ponta, sem quina, sem aresta,
Vento de todos os medíocres e imperadores,
Vento das falanges, das florestas multicores,
Vento que faz a curva, que tudo embeleza
faz de um gigante pela própria natureza
Um índio guerreiro, ritual, que participa,
Um menino bonito soltando sua pipa...